sexta-feira, 29 de julho de 2011

18- Verdade x Consequência

Na noite seguinte, Kate veio até mim. “Mariana, você e o Math voltaram?”
“Não... Por que pensou isso?”
“Não... é que... vocês não estão mais com a gente nos intervalos e sei lá... Passou pela minha cabeça essa possibilidade.”
“Ah... É...” Eu não podia dizer a verdade, podia?
“Escuta, Mariana, eu estava irritada quando te disse aquelas coisas, então não guarde nada daquilo.”
“O quê?”
“Quando você foi lá em casa...”
“Ah... Tudo bem, você estava certa mesmo.”
Silêncio.
Kate se acomodou em sua cama. “Você o ama?” Não precisava dizer que era o Scott.
Silêncio.
Fiquei surpresa com o poder daquela pergunta. O frio pelo meu corpo, o calor nos meus olhos.
“Amo...”
“Então, por que não tenta ligar pra ele?”
Porque essa ideia simples não tinha passado pela minha cabeça até então, pra começar. “Nem tenho mais seu número e... por que ele me atenderia? O que eu posso dizer por telefone?”
“Você nunca vai saber se não ligar.”
“Mas se ele saiu mesmo por minha causa...”
“Então te pergunto novamente, Mariana. Você ama o Scott?”
Olhei para ela e sua expressão era serena. “Vou anotar pra você o número dele.” Levantou-se e rabiscou um pedaço de papel. “Vou deixar aqui em cima da mesa, aí você pensa direito no que te perguntei e na sua resposta. Faça a sua escolha guiada nisso e em nada mais. É tudo o que eu posso fazer por você... E por ele.”
Saiu do quarto.
Por que ela insistia tanto em nos ajudar? Eu nunca teria feito um terço... Talvez fosse isso que tivesse feito um rapaz como o Matheus ficar tão apaixonado por ela, apesar de tudo. E quem sabe eu não pudesse retribuir? Isso... A ideia de dever alguma coisa a Kate era desagradável. Como Kate conseguiu abrir mão do Scott se ela se importava tanto com ele? Queria conseguir ser assim.
Encarei o pedaço de papel sobre a mesa. Eu só precisava discar, certo? Mas, então, achei que fosse hora de ponderar. Afinal, eu tinha desejado por tanto tempo que o Scott sumisse de minha vida, porque ele bagunçava tudo. Eu tinha conseguido. Talvez eu devesse apenas esperar a dor passar e seguir em frente. Ele sempre é tão rebelde e encrenqueiro... Como eu poderia viver com alguém assim? Muito problemático. Eu o amaria o suficiente para arriscar? Eu realmente o amava? Um amor que pode sobreviver a tudo? Se é que isso existe...
Peguei o papel. Meu celular vibrou e saltei com o susto. Era a Sally.
“Mari!” Cantou.
“Oi, maluca!”
“Hoje é sexta-feira. Festa de pijama. Eu, você e a Min na casa dela. Agora.”
“Ela sabe disso?” Se tratando de Sally...
“Acabou de ficar sabendo. Já estou terminando de me arrumar e passo aí pra gente ir juntas.”
“Ok.”
Abri a gavetinha da mesa e joguei o papel, com o número do Scott, dentro.
***
“Olha o que eu trouxe pra nossa pequena festinha?” Sally puxou da mala uma garrafa de bebida. E eu me perguntando pra que uma mala pra passar uma noite fora, o que mais teria?
“O que houve com nossas festas de pijamas com pipoca e filme até tarde?” Yasmin.
“Aconteceu que estou precisando de menos drama e mais ação.” Sally.
“Ótimo! Pode encher um copo, então, porque também estou precisando.”
As duas me olharam surpresas.
“Ela bebeu no caminho?” Yasmin.
“Ainda estou procurando pelo sarcasmo, mas melhor aproveitar que ela já entrou no ritmo.” Sally.
Ri. “Então, como vai ser?”
“Música, bebida e verdade ou consequência, mas esqueçam as consequências de quando eram crianças...”
“Perfeito.”
“Se até a Mari topou...” Yasmin.
***
“Não acredito! Ela agarrou o cara mesmo!” Sally dizia entusiasmada com o meu feito recente na boate.
“Desafio cumprido.”
“Ele ainda está olhando pra cá.” Yasmin.
“Sua vez, Ly.”
“Também quero uma consequência legal!” Acho que nós duas competíamos o título de mais bêbada e louca.
“Te desafio a...” Olhei ao redor. “Aqui não dá.” Olhei para elas de volta. “Não sabem de nenhuma festa do pessoal da escola?”
“Agora você realmente me assustou.” Yasmin era a única sóbria. “Sabem que não vou fazer nada dessas maluquices, né?”
“Relaxa, Min...” Joguei meus braços nos seus ombros. “Pode deixar que eu e a Sally nos divertimos por você. Não é, Ly?!”
Sally imitou meu gesto do outro lado da Yasmin. “Sei de alguém que pode nos ajudar...”
***
“Caraca! Vocês estão muito doidonas!” Kate ria.
“Tem certeza que não tem problema?” Yasmin.
“O quê? Vocês? A festa não é minha, mas quanto mais gente mais diversão... Então... Só venham comigo.”
“Kate é tão legal, né? Quero ser que nem ela quando crescer...” Eu realmente disse.
“É... Será que a gente consegue essa cor de cabelo?” Sally.
Kate gargalhava. “Yasmin, que droga elas tomaram?”
Yasmin riu. “Deve ser a combinação da loucura natural, porque nem beberam tanto assim... Eu acho...”
“Kate, quer brincar com a gente?” Sally perguntou.
“De...?” Kate.
“Verdade ou consequência.”
“Está mais pra consequência e consequência, Kate.” Yasmin corrigiu.
“Desafio é o mais legal...”
“Por que não? Então, qual é o meu desafio?” Kate.
“Você e a Sally...”
***
Estava tudo laranja quando abri os olhos. Levei um tempo até me dar conta de que era o cabelo da Kate. Estávamos todas na casa da Yasmin, espalhadas no tapete da sala.
As dores na cabeça e no estômago foram como um déjà vu. Mas o susto maior veio quando resolvi olhar com mais atenção ao redor. Matheus e o Vítor estavam entre a gente. Todos nós somente com roupas de baixo e a casa parecia uma zona com garrafas vazias pelos cantos.
Há algum tempo essa visão teria me desesperado, mas, naquele momento, levantei sorrindo.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

17- Sim x Não

No intervalo foi a vez do Matheus desabafar comigo.
“Mari, você pode me fazer companhia?”
“Sempre comemos juntos...”
“Sim, eu sei... Mas hoje eu não vou ficar com eles...”
Fui com ele até outro canto do refeitório. “Vai me dizer o que aconteceu?”
“Não quero mais isso.”
“Isso o quê?”
“Não vou mais esperar por um milagre para a Kate decidir namorar comigo.”
“Mas pensei que vocês estavam se dando bem. Você me disse que estava.”
Ele mexeu no pacote de biscoito sobre a mesa. “Também disse que não do jeito como eu queria.”
“Não entendo, Math. Já vai desistir?”
Seu olhar era severo quando pousou em mim. “Não aguento vê-la cada hora com um cara diferente. Se entregando para qualquer um facilmente... Não tenho sangue de barata, Mari.” Jogou a cabeça nas mãos. “E também tem o Vítor que mata e morre por ela. Melhor eu não estragar as coisas com ele também.” Voltou a me olhar, mas com sua feição mais suave. “Estou bem. Só preciso me afastar um pouco deles pra não ficar mal, se é que me entende...”
Coloquei minha mão sobre a dele. “Se você tem certeza de que é isso que quer...”
Matheus tirou sua mão debaixo da minha e entrelaçou nossos dedos. “E você... Conseguiu fazer a tal matéria?”
“Vamos fazer o seguinte? Eu não falo sobre a Kate e você não fala sobre ele.” Evitei dizer o nome.
“Certo.” Pegou o saco de biscoito e me ofereceu. “Não sabia que dançava daquele jeito...”
***
Já tinha dado a hora de recolher e eu estava dormindo quando meu celular tocou.
“Alô?”
“Te acordei?”
“Ah, Math... Tudo bem, pode falar.”
“Desculpa, mas estava pensando se você não gostaria fazer alguma coisa agora?”
“Além de dormir?”
Ouvi sua risada. “Sair, sei lá... Não consigo dormir.”
Olhei o relógio. “Tem ideia de que horas são?”
“Sim, eu sei...”
“Math, conte carneirinhos e vai conseguir dormir.”
“Tudo bem, vou nadar, então.”
“Nadar?”
“É...”
“Já está tudo trancado, Math. Tem certeza de que você já não está dormindo?”
“Não está tudo trancado pra mim que tenho copias de chaves...”
“Como... Você... Mas e se te pegarem?”
“Isso não vai acontecer, porque estão todos no quinto sono a essa altura.”
“Nadar à uma hora dessas... Só você.”
“É a melhor hora, sem ninguém pra incomodar. Bem, então vou lá... Completamente sozinho e abandonado... Sem uma companhia sequer...”
“As aulas de teatro estão te deixando um belo dramático.” Respirei fundo. “Se eu quisesse ir com você, como eu sairia daqui?”
“Eu te buscaria agora mesmo.”
“Bem, então estou te esperando.”
“Já cheguei... Abre a porta.”
Vi uma luz baixa do outro lado da porta. Abri e lá estava aquele gigante com uma lanterna na mão.
“Eu devo estar louca.”
Não posso negar que foi divertido sair escondida do dormitório.
Matheus começou a tirar a camisa e a calça, ficando apenas de cueca. “Não vai vim?”
O não estava bem na ponta da minha língua com alguma desculpa qualquer, mas já tinha passado da hora de começar a dizer mais sim. “Agora mesmo.” Tirei meu pijama e me juntei a ele na piscina.
Começamos a rir da travessura. “Se alguém nos pegar... Não quero nem imaginar.”
“Então não imagine. Só aproveite.” Afastou-se. “Será que consegue ser mais rápida?” Desafiou-me.
“Pode apostar.” Mergulhei com vontade.
Só me dei por vencida quando já não era mais capaz de respirar. “Um cavalheiro sempre deixa a dama vencer.”
Ele gargalhou. “Na próxima eu deixo.” Aproximou-se.
“Amanhã temos aula cedo. Melhor irmos logo.”
Ele me olhava de uma forma completamente nova. “Você é tão linda...” Tocou meu cabelo.
“Math...”
Ele se aproximou ainda mais, pronto para me beijar.
“Não, Math... Isso não deu certo da última vez.”
“É...” Ele beijou o canto dos meus lábios.
“Você continuou sem esquecer a Kate e eu o Scott...”
“Foi...” Beijou o outro canto dos meus lábios. Seu hálito fresco fazia meu corpo mole.
“E...”
“E não importa...”
Beijou-me. Esperei pela dor... Dor de trair meus sentimentos. Dor de estar dizendo sim... Mais um sim que não é para o Scott. Dor de poder ter todos aqueles beijos e mãos e pernas do Matheus, mas não do Scott. Dor de não ver o mundo acabar, chorar e sofrer pela falta do Scott como o meu mundo morria a cada segundo...
“Matheus... É melhor a gente ir dormir.” Interrompi nossos beijos.
Matheus ainda ofegava. “É, temos aula amanhã...” Ele disse sem graça.
Quem não conseguiu mais dormir fui eu. Catei meu notebook e comecei a escrever.
Como você está, Scott? Está feliz? Será que ainda pensa em tudo o que deixou para trás? 
Tenho me feito tantas perguntas... Fico imaginando... Pensando em você. 
Pensava em você como uma rocha, mas deveria ter visto que a rocha era eu. Porque você é o rio... Insistindo incansavelmente em entrar no meu coração. Fazendo a rocha dois pedaços e seguindo seu caminho por ela. Porque um rio nunca para... Poderia ter você me feito em pedaços menores para que eu me tornasse tal como a água e seguisse o caminho com você?
Consigo até ver seu sorriso zombando da minha metáfora brega. E veja... Sinto falta até mesmo disso. 
Eu odiaria te ver mal, Scott, mas, honestamente, não quero que você esteja bem sem mim. Preciso te lembrar de todas as vezes em que você disse me amar? Não era pra sempre? Não era você que nunca desistiria? Por que fugiu, então? 
Agora já não faz mais sentido dizer isso, mas eu daria tudo para poder estar com você e te dizer o quanto te amo, o quanto sinto a sua falta, o quanto me arrependo por tudo...
Eles se perguntam por que você sumiu e querem que eu os responda. O que eu poderia dizer-lhes? Teria sido o meu egoísmo ou o seu orgulho? Eu não quero essa resposta. Só quero você. Só quero o que já não posso...
Deixei salvo o meu desabafo melodramático.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

16- Sozinha x Acompanhada

“Tem certeza de que não quer ir?” Kate terminava de se maquiar em frente ao espelho, perguntando-me pela segunda vez se eu não queria ir com ela à boate.
“Vou ficar estudando...”
Deu uma última olhada de satisfação em seu reflexo e se dirigiu à porta. “Então, boa noite!” Saiu animada. Pensava em como ela conseguia disposição para sair assim toda noite...
Assim que ela deixou o quarto, peguei meu celular e avisei sobre sua saída para o Matheus por mensagem. Não era nenhuma tarefa digna, mas eu tinha prometido que o diria. Ele queria fingir coincidência ao encontrá-la indo para o mesmo lugar. Não fazia sentido pra mim, achava que seria melhor que ele fosse sincero, mas coragem não era seu forte e se tratando de Kate, imagino que, menos ainda.
Encarei o livro de matemática aberto sobre a mesa, esperando que eu o estudasse. “Já chega de problemas na minha vida, não?” E ri do meu próprio péssimo trocadilho.
Suspirei ao ver o meu notebook. Já tinha quase me esquecido. Tinha sido escolhida para escrever uma matéria sobre o sumiço repentino do Scott Meyer. Tentei inutilmente fugir dessa. Entre todos, por que logo eu teria que escrever uma matéria sobre ele? E minha resposta foi “Quando souberem que você quem escreveu vão todos ficar ainda mais ansiosos. Os boatos sobre vocês dois ainda circulam pelos corredores.” Que ótimo...
Cheguei a pensar em deixar o jornal escolar, mas se eu fosse fugir de tudo que tivesse relação com o Scott... Então, a pergunta era: O que eu poderia escrever? Abri o Word e ameacei.
Scott Meyer resolveu que era hora de atender os meus pedidos e sumiu.
Apaguei e deixei de lado. Deitei encarando o teto, com a mente tão longe quanto possível. Engraçado pensar em como eu teria agido diferente se soubesse que aquele beijo, do dia em que fui ao ClubMix com o Luan, tinha sido o último que teria do Scott. A lembrança do seu gosto ainda conseguia me deixar com o coração acelerado, mas eu sabia que a sensação de seu toque não era nada como aquilo; minha memória era muito inferior.
Seria no dia seguinte que eu o encontraria no refeitório para me tirar do sério novamente? Eu o odiava por não conseguir mais odiá-lo mais do que a mim. Bagunçar meu mundo e sumir não resolvia nada. Antes eu nunca o tivesse conhecido... Não. Nem mesmo isso.
Suspirei mais uma vez. O único que poderia fazer esses meus pensamentos distantes também já tinha me deixado. Eu merecia algum prêmio por ter tido os caras mais lindos e os entregado de bandeja. Francamente, o que eu tinha na cabeça?
No dia seguinte Matheus me interpelou no corredor com um sorriso tão leve que já tinha me esquecido que ele tinha.
“Essa felicidade teria cabelos ruivos?”
Seu sorriso cresceu, mesmo que envergonhado. “Você estava certa.”
“Milagres acontecem...”
Colocou seu braço nos meus ombros. “Tentar faz mesmo diferença.”
“Algum retorno?”
Fez careta. “Não os que desejo, mas sinto que esse é o caminho.”
“Fico feliz por você, Math.”
“Mas e você?... Não tem passado tempo demais no quarto?”
Apertei meus lábios. “O vestibular já está chegando e estou com uma matéria chata pra fazer pro jornal... Não tenho tido tempo pra sair e nunca fui fã mesmo.”
“Já vai fazer matéria pro jornal? Nossa, isso é ótimo! Não me disse nada antes... É sobre o quê?”
Passei mais tempo do que o esperando pensando na resposta.
“Ah... É verdade. Acho que ouvi alguns comentários a respeito.” Matheus adivinhou.
“Pois é, ninguém me mandou inventar de participar do jornal. Mas isso não importa. Agora criei uma nova regra para mim, de não recusar desafios.”
Ele arqueou uma sobrancelha. “Bom saber, assim você com certeza vai aceitar o meu convite.”
“Convite?”
“Hoje à noite você vai sair com a gente.”
Lamentei minha boca grande. “Mui amigo...”
“Você está me devendo desde meu aniversário.”
“Tá... Acho que sobrevivo. Posso chamar uns amigos?”
“Agora sim é a minha garota!” Matheus disse contente.
***
“Deixa ver se eu entendi bem. Você - Mariana Vasconcello, inimiga mortal da Kate e de lugares barulhentos - está nos convidando para ir com você, Kate, Matheus e Vítor para uma boate? Ouvi certo?” Sally.
“Ouviu.”
“É o apocalipse!”
“Vão ou não?”
“Só vou poder ir um pouco depois, porque Derick trabalha à noite até tarde.” Yasmin.
“Eu acho que vou estrear minha calça de couro e usar aquela minha blusa brilhosa que me deixa com mais peito. Quero ver o Vítor resistir a isso.” Sally.
***
O encontro que nem nos meus sonhos mais estranhos teria acontecido estava sendo realizado bem diante dos meus olhos. Meus amigos e os amigos do Scott debaixo do mesmo teto iluminado. Isso só fazia a falta de uma pessoa ainda mais evidente.
“Proibida de se aproximar do bar, dona Mariana.” Matheus ordenou com um sorriso assim que colocamos os pés dentro da boate.
“Fico esperando o dia em que você vai parar de me zoar por isso.”
“Não perca seu tempo.” Seu sorriso cresceu. “Próximo desafio: dançar a noite toda.”
“Tudo bem, Math, já entendi.” Empurrei suas costas na direção da pista, onde Kate já estava rebolando. “O seu desafio é domar aquela fera, mantenha seu foco nisso.”
Ele virou o rosto pra trás, olhando-me com piedade. “Você vai ficar bem?”
Revirei os olhos. “Sem você pegando no meu pé? Pode ser difícil de imaginar, mas a minha primeira dança vai ser pra comemorar isso.”
Matheus colocou a mão sobre o coração teatralmente. “Cruel.”
Sorri. “Vai logo, Math.”
Fui para o outro canto da boate dançar. A música alta conseguia abafar perfeitamente meus pensamentos e agradeci por isso. Encontrei meu novo remédio no lugar menos provável.
***
“Ah, Mari! Tem um tempo agora?” Sally me abordou antes do sinal da primeira aula.
“O que aconteceu?”
“Estou desde ontem me matando de raiva por causa da minha prima.”
“O que ela fez?”
“Ela sabia e mesmo assim foi lá e ficou com o Vítor.”
Limitei-me a uma expressão de espanto.
“Pois é. Ela não me disse nada, eu vi com meus próprios olhos. Mas deixa ela... Se pensa que não vai ter troco. E ainda vou fingir que não sei de nada.”
“Mas às vezes ela nem viu que era ele...”
“Não defenda a Talita. Isso me fez pensar, sabe... Porque não é só isso, Mari. Pensei que essas atitudes dela fossem apenas coincidências ou sei lá, mas já deu. Não sei nem explicar o que ela faz, mas não gosto... Antes foi com o Jack e eu ainda senti por ela. Pra você ter uma ideia, ela nem cantaria hoje se não fosse por minha causa. Não é me achando não, nada a ver. Mas ela nunca quis até me ver cantando. Agora já cogitou a ideia de participar do teatro, com a desculpa de melhorar a sua performance. Cansei disso!”

sexta-feira, 22 de julho de 2011

15- Dentro x Fora

Não sei onde a Kate passava toda a noite e nem como o Matheus conseguia passar toda noite comigo no quarto, mas era assim dia após dia.
“Se olho para essas lajes, vejo nelas gravadas as suas feições! Em cada nuvem, em cada árvore, na escuridão da noite, refletida de dia em cada objeto, por toda a parte eu vejo a tua imagem! Nos rostos mais vulgares dos homens e mulheres, até as minhas feições me enganam com a semelhança. O mundo inteiro é uma terrível testemunha de que um dia ela realmente existiu, e eu a perdi para sempre." O Morro dos Ventos Uivantes – Emily Brönte.
Estava lendo meu livro favorito para o Matheus; deitados lado a lado na minha cama. Não importava quantas vezes eu lesse aquele livro, era sempre uma nova sensação. E o mesmo trecho que há algumas semanas tinha me feito apenas querer me livrar de pensar constantemente no Scott e de tê-lo sempre por perto me torturando, não me trouxe o mesmo desejo.
Todo dia eu pensava ver o Scott pela escola e até fora dela, em lugares que nunca o tinha visto antes. Voz de estranhos me confundiam com a dele. Gestos. Sons. Palavras.
Já permanecia me culpando incansavelmente. Odiando cada momento em que o afastei de mim. Odiando todo o medo idiota que tive de me entregar. Odiando cada vez em que vi seu coração despedaçar na minha frente por minha causa.
Parecia uma piada maldosa que eu, finalmente, fosse capaz de compreender tão bem as atitudes do Scott que antes pareciam as maiores ofensas. Conseguia entender todas as vezes em que ele fez tanta questão de me jogar na cara a minha falta de graça. Conseguia entender suas namoradas... Era tudo tão óbvio que fazia minha dor pior.
Não éramos tão diferentes como sempre pensei que fossemos. Fiz questão de prestar atenção em tudo o que nos deixava em mundos opostos, mas... Nossa diferença mesmo era o fato de que ele não fugia de seus sentimentos, enquanto era tudo o que eu fazia.
“Acho que já está bom de leitura por hoje...” Matheus disse, tirando o livro de minhas mãos. “Não sei como você pode dizer que seu livro favorito é esse...”
Se ele queria chamar a minha atenção, conseguiu. “Isso vindo de alguém que disse amar clássicos... Me explique essa lógica.”
“Sim, é um bom livro, mas não para ser o preferido de alguém... É uma história triste e cheia de maldades. Nem mesmo o amor deles eu diria ser bonito. Meus livros favoritos têm finais felizes e uma história de amor onde amor pode mesmo ser chamado de amor.”
“Vou fingir que não ouvi uma palavra. Depois vem com discurso sobre preconceitos.”
“Não é preconceito. Catherine e Heathcliff diziam se amar, mas o que eles fizeram por isso? Amor não são palavras jogadas no ar nem sentimento de posse. Ela egoísta e ele orgulhoso, não tem espaço para amor nisso.”
“Você que não conseguiu entendê-los. Mesmo com todos os seus defeitos eles amavam sim um ao outro. Acho que se amavam tanto que queriam poder viver num mundo onde pudessem se preocupar apenas um com o outro. Onde Catherine não tivesse tanto medo de se casar com o Heathcliff e onde Heathcliff não quisesse tanto atormentar Catherine pelas escolhas que ela fez. O que gosto nessa história é que mesmo com todos os seus defeitos e péssimas escolhas, não deixavam de se amar. Desde quando o amor faz algum sentido?”
Matheus me olhava seriamente, vendo claramente através das minhas palavras. Não Catherine e Heathcliff. Outros amantes separados por egoísmo, orgulho e escolhas.
“Desculpa, exagero quando os defendo.”
Ele me beijou. “Me sinto péssimo, Mari.”
“Por quê?”
“Ele era meu amigo... Eu não devia estar com você, foi uma ideia estúpida que tive. Não consigo nem te fazer parar de pensar nele.”
“Math, eu tenho livre arbítrio. Eu escolhi isso.”
“Escolha errada...”
Tirei a mão de seu rosto e o encarei. “Ei...”
“Isso não está dando certo, Mari... Não gostamos um do outro da forma que namorados se gostam. Não aguento mais essa culpa.”
“Math, não me deixa agora...” As palavras saíram da minha boca e me arrependi no minuto seguinte pelo meu egoísmo. “Você tem razão.”
Ele me olhou, calado por um longo segundo. “Não importa mais agora também.” Me puxou para seus braços. “Só me sinto culpado toda vez que te vejo triste. Não vou pra lugar nenhum enquanto você não quiser que eu vá.” Tirou minha cabeça de seu ombro e me beijou.
Seus beijos não eram nada como os do Scott e ainda assim não era capaz de evitar pensar nele. Eu não queria mais ser atormentada por todos os meus erros que me fizeram perder o Scott. Eu queria poder esquecer nem que fosse por um segundo.
Buscava com mais vontade os lábios do Matheus e era respondida com a mesma intensidade. Eu sabia que não estava certo, enquanto nada separava nossos corpos nus, eu só queria muito que estivesse tudo certo... ou que pelo menos pudesse ficar.
***
Perdi a minha virgindade com o Matheus e, em parte, nunca me arrependeria por isso.
Nas noites seguintes passei a vislumbrar o poder que aqueles momentos tinham. Meus pensamentos deixavam de existir enquanto eu descobria sobre prazer com Matheus. E a cada noite o efeito parecia ainda melhor. Eu já mal pensava no Scott.
Matheus era tão bom pra mim e eu nunca tinha feito nada para merecer. Comecei a pensar mais sobre ele. Como devia ser para ele ver o Vítor cercando a Kate, ou fingir não saber o que ela fazia todas as noites.
Nunca tinha lhe perguntado sobre o seu motivo para não tentar com a Kate. Ele era sempre atencioso comigo e com sua generosidade gratuita, mesmo que eu fosse apenas quem eu era, egoísta e mimada. A vontade de ajudá-lo crescia estupidamente e eu tentava ignorar.
Não queria sentir o vazio enorme que me aguardava enquanto ele me deixasse para ficar com a Kate, mas já não podia mais ignorar a culpa que me esmagava pelo meu egoísmo. Ele podia até insistir em não querer tentar com a Kate, mas eu precisava estar preparada para uma despedida.
Ele merecia ser feliz mais do que qualquer pessoa que tenha conhecido. Foi com essa força de pensamento que interrompi nossos beijos numa noite.
“Math, precisamos conversar.”
Ele fez uma careta. “Acho que devo me preparar para o pior...”
Sorri. “Não é pra tanto. Só tenho me perguntado o que faz o garoto mais desejado do colégio comigo e não com quem é apaixonado.”
“Sério que quer conversar mesmo sobre isso?”
“Quero.”
Ele suspirou profundamente. “Eu e Kate não podemos ser felizes juntos.”
“E posso saber que lógica ou bola de cristal você usou para chegar nessa conclusão?”
Matheus não sorriu como esperei. “Kate não quer casar e ter uma família, Mari, e eu quero. Ela não quer se prender a ninguém. Me diz como isso poderia dar certo e eu vou agora mesmo procurar por ela...” Ele disse não esperando resposta.
“Math, pode mesmo não dar certo e a probabilidade é alta. Mas ainda é melhor que você tente e tenha esfregado na sua cara essa verdade, do que sempre ficar imaginando como seriam vocês dois juntos.” Como eu estive fazendo.
“Falar faz tudo parecer muito fácil...”
“Porque é. Acha que gosto de dizer pra você ir correr atrás de outra e me deixar sozinha aqui? Mas tem sido muito pior me corroer por dentro imaginando o quanto você poderia ser feliz se apenas se permitisse.” Eu dando conselhos... O mundo é mesmo cheio de surpresas.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

14- Injustiça x Justiça

O certo seria eu ir até a casa do Scott para saber se ele tinha ido embora mesmo, mas fui até a casa da Kate. Bati em sua porta com força, gritando seu nome. Ela abriu a porta assustada.
“Mariana?”
Passei pela porta. “Ele foi embora mesmo?”
Kate balançou a cabeça.
“Ele te contou que iria?”
“Contou...”
“E você deixou? Não fez nada para impedi-lo?”
“O que eu poderia ter feito?”
“Falar para que ele não fosse e ele não teria ido.”
“Eu falei... Mas a única pessoa que poderia tê-lo feito ficar, fez como que ele fosse... Você.”
Já estava no chão, batendo contra o piso. “Ele é tão burro! Egoísta!”
Kate se abaixou e me abraçou. Comecei a soluçar. “Ele não podia... Por que ele não veio brigar comigo, como sempre fez? Por que ele não ignorou as minhas escolhas como sempre fez? Por que ele tinha que ir?”
“Ele disse que precisava ir, Mariana...”
“O Scott que conheço nunca fugiria...”
“Mas você não tem o Matheus agora?”
Chorei com mais vontade. Kate me aninhou como se eu fosse uma criança. “Desculpa, querida. Eu sei que dói, mas só por agora... Você logo vai ficar bem. Agora venha, levante desse chão. Vou pegar um copo d’água pra você.”
Fomos até a cozinha e a imagem dele ali ainda parecia viva.
“Aqui, tome.”
A água desceu pela minha garganta com dificuldade. “O que você tem com o Scott, Kate?” Finalmente, perguntei a ela.
“Se eu te disser que somos amigos, você não vai simplesmente acreditar, vai?” Ela não esperou resposta. Puxou do bolso de sua calça uma carteira, abriu e puxou uma foto. “Aqui.” Era a foto de uma menininha de cabelos claros e olhos castanhos.
“Quem é?”
“Minha filha. Tem um ano, quatro meses e dezesseis dias de vida.”
Minha mão saltou na minha boca. Ela e Scott...
“Ah, não!” Kate parecia ler meus pensamentos. “Ela não é filha do Scott.” Sentou-se a minha frente. “Você quer respostas, mas tem tempo pra ouvir uma história comprida?”
Balancei a cabeça.
“No primeiro ano do ensino médio eu fiz a maior burrada da minha vida, logo no começo do ano.” Kate começou. “Uma noite errada com a pessoa errada e tudo mudou pra sempre, mesmo que no momento eu não fizesse ideia. Então saí com o Scott uma vez e ele foi embora antes que algo entre nós pudesse acontecer. Foi quando olhei com mais atenção pro Scott. Que garoto em sã consciência teria me deixado daquela forma? Sem falsa modesta. E ele parecia tão perdido quanto eu... Tão necessitado de ajuda quanto eu. Pensei que talvez se eu pudesse ajudá-lo, isso me tornaria uma pessoa melhor, sei lá... E quando ele me contou estar apaixonado por você tudo fez sentido. Eu o ajudava a te conquistar e me apaixonava mais e mais...” Ela ajeitou o cabelo. “Descobri que estava grávida e quis abortar. E imagina quem me fez mudar de ideia?” Ela abriu um sorriso. “Ele mesmo. Ele é tão teimoso, você bem sabe. Um jeito que faz tudo parecer possível. Você não sabe o quanto foi difícil no começo ajudá-lo a ficar com você, quando eu queria ficar com ele. Mas...” Suspirou. “Percebi que ele só poderia ser feliz de verdade com você. Tudo que ele fez pra poder te provar seu amor, Mari...” Ela olhou nos meus olhos. “Uma vez ele disse querer ficar comigo... E eu só precisei dizer não uma única vez para que ele deixasse essa ideia de lado. Quantas vezes você já não disse não e ele voltou correndo até você? Se isso não é amor...” Encarou a janela. “Eu teria abortado a Colly se não fosse pelo apoio dele. Teria deixado minha filha em algum lar adotivo, se também não fosse por ele. Ele acredita mais em mim do que eu mesma.” Voltou a me fitar, seriamente dessa vez. “Tem ideia do quanto ele é especial, Mari? Do tamanho do coração desse garoto? Eu não devia te contar as minhas intimidades e nem falar contigo, pela forma tão sem sentido que sempre me tratou. Mas você não é a única e se eu fosse me incomodar com cada um que faz seu próprio julgamento sobre mim... Mas eu queria muito poder te dizer tudo isso. Só para que você soubesse o que você tinha em suas mãos e que você perdeu. Eu não consigo sentir raiva de você, porque você é imatura demais. Mas nunca mais jogue a culpa em cima de mim por não ter ficado com o Scott. Você é a única culpada. Ele foi embora...” Ela começou a chorar e a mudança em como me tratava ficava mais confusa. “Como tem coragem de vir até aqui para dizer que eu sou a culpada por não tê-lo impedido? Quer saber? Saía já daqui! Ele foi embora por sua causa! Sua garotinha egoísta e mimada! Vá logo se não quiser ouvir mais poucas e boas, que já perdi a minha paciência!” Apontava para a porta aos berros.
Saí apressadamente.
Eu era egoísta e mimada... Preocupada demais em não me machucar, pouco me importando sobre o que as minhas atitudes causavam aos outros. E só ele... Só o Scott viu o pior que há em mim infinitas vezes e voltava dizendo me amar. Quem mais poderia suportar toda a minha amargura e permanecer de pé assim? Não... Nem mesmo o Matheus. Matheus teve sorte de despertar sempre o meu melhor, mas duvido que ficaria comigo se eu o tratasse apenas uma vez como tratei sempre o Scott.
E nenhuma dessas certezas importava mais. Ele tinha partido... Ele precisou ir embora para que eu me desse conta do quanto deveria ter dito sim todas as vezes que lhe disse não.
Pela primeira vez não fui capaz de sentir raiva da Kate.
***
Pensei que o primeiro dia tendo a prova viva no colégio de sua ausência seria o pior, mas descobri que isso conseguia piorar com cada dia que se passava.
Eu tive febre e batia os dentes debaixo do cobertor do dormitório quando a Kate passou pela porta do quarto e logo atrás o Matheus.
“Foi o que eu te disse... Olha só como ela está pálida. É melhor você sair, o médico já está vindo vê-la. Depois você volta, Matheus...” Kate.
“Mari...” Ele segurou minha mão. “Prometo que volto assim que puder. Fique bem logo, por favor...” E deu um beijo na minha testa.
Acho que dormi depois disso, porque só lembro de acordar com o Matheus segurando a minha mão, com sua cabeça deitada na minha cama. “Math?”
Ele acordou no mesmo instante. “Mari? Já acordou? Se sente melhor?”
“Acho que sim...”
Ele sorriu. “Que bom. Pensei que o doutor estivesse louco quando só te deu um comprimido dizendo que você já acordaria melhor.”
Não sei por que vê-lo ali ao meu lado me fez querer chorar. “Obrigada por tudo, Math...”
“Não por isso.”
Cheguei mais para o lado na cama. “Deita aí. Não faz bem dormir todo torto desse jeito.”
Ele olhou para o lado vazio na cama como se fosse uma criança prestes a comer a sobremesa antes do almoço escondido da mãe.
“Math, deixa de bobeira e deita logo.” Virei às costas. “Boa noite.”
Senti um frio no estômago ao sentir o calor de seu corpo tocar o meu. Pensei no quanto tinha sorte por ter alguém como ele por perto. Alguém que não me deixasse sentir-me só... Mas não devia ser por isso que era grata, porque no momento em que esse pensamento passou pela minha mente, antes de fechar meus olhos, não foi alegria que senti.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

13- Distância x Proximidade

Há poucos dias todo o colégio tinha feito uma viagem por tribos indígenas no Brasil; estudar nunca foi tão divertido. Nessa viagem vi mais o Scott do que durante as aulas no colégio; ele mal aparecia. E não vê-lo conseguia me fazer pensar mais nele do que quando o via, se é que isso era possível.
Era páscoa e estava em minha casa com a minha família quando o telefone tocou.
“Deixa que eu atendo.” Gritei da sala. “Alô?”
“Mari?”
“Eu...”
“É a Sally... Você não vai acreditar no que o Jack acabou de me dizer.”
“O que ele te disse?”
“Lembra quando você comentou sobre o Scott estar sumido das aulas?”
“Sim...”
“Pois agora ele vai sumir de vez.”
Silêncio.
“O que você quer dizer com isso?”
“Ele foi embora pro exterior hoje cedo.”
“Ah...”
“Mari?”
“Desculpa, tenho que desligar. Depois a gente se fala.” Desliguei.
Subi as escadas até o meu quarto, onde me tranquei. Agarrei meu travesseiro sobre a cama e comecei a chorar.
Não podia ser verdade... Por que ele sairia no meio do semestre pra tão longe? Joguei o travesseiro contra a parede. “Idiota!” Eu nunca mais iria vê-lo novamente, era isso? Totalmente livre do Scott. Não foi o que eu sempre pedi, que ele sumisse? Que ele desaparecesse da minha vida... Então, por quê... Por que ter o meu desejo realizado doía tanto? Por que imaginar a minha vida sem aquele garoto teimoso abriu um buraco no meu peito?
Passei às pressas pela porta de casa, gritando que voltaria logo, ouvindo meus pais me recriminando por isso.
Eu era a pessoa mais idiota do mundo todo, enquanto corria pela rua. Pensando em cada momento que me fez amar o Scott... os momentos que eu fingi não existirem, apenas para poder odiá-lo tão bem quanto era capaz.
***
“Não acredito que você mentiu pra mim, Scott!” Gritei com ele.
Tinha ido à sua casa no sábado, apenas porque ele disse ter dificuldade com uma matéria que poderia reprová-lo. Estávamos no último semestre do primeiro ano.
“Calma, Mari. Eu só queria a sua companhia... E sei que seus pais não te deixam sair no final de semana.”
“Isso não é desculpa e você sabe.” Comecei a catar meus cadernos de cima da mesa e jogá-los na mochila.
Ele colocou a mão sobre a minha. “Mari, desculpa. Conversar com você por telefone me deixa com vontade de poder te ver logo.”
“Não gosto que minta...”
“Não vai mais se repetir.”
Joguei a mochila de volta ao chão e sentei na cadeira. “Então, em que parte paramos?”
“Ainda falta tanto pra terminar... Será que vai funcionar mesmo?”
“Bem, primeiro eu preciso saber tudo o que você aprontou, depois vem as punições e aí você estará perdoado por tudo que fez.”
Tivemos essa ideia maluca, quando ele me contou sobre o quanto se arrependia sobre tudo o que fez quando mais novo.
***
“Para cada mal que você fez, faça algo de bom de igual valor e pronto.” Não levamos tanto tempo quanto imaginei com seus desabafos. Tinha sido um bom tempo, pena não ter durado...
“Só isso?”
“Ué, acha pouco?”
“Imaginei alguma coisa mais impossível de ser feita...”
“Se fosse impossível você estaria perdido de vez, não acha? Também seria bom se você se desculpasse com todos que fez mal. Se você começar agora, termina antes de morrer.” Ri.
“Muito engraçadinha... Já que gosta tanto de rir, talvez eu deva te ajudar.” Suas mãos voaram para cima de mim, fazendo cócegas.
***
“Eu não vou soltar de bungee jumping com você de jeito nenhum. Ficou doido de vez?”
“Até o Luan aceitou ir... É seguro. Uma experiência única na vida.”
“Sobre ser uma experiência única na vida eu não duvido, já que ninguém sabe se haverá vida depois. Mas segurança...”
Ele gargalhou. “Você é uma medrosa.”
“Não importa, desde que eu permaneça viva.”
“Tem uma mágica incrível em apostar tudo assim. Arriscar toda a sua segurança e sentir a vida intensamente, presa apenas por um fio. Ver o mundo de cabeça pra baixo e descobrir que ainda é o mesmo mundo. Perder o fôlego e se sentir ainda mais vivo. Se lançar com tudo no improvável e  aprender a dar valor para o agora que é tudo o que tem.”
“Viu? Você é louco. Fato!”
“Tudo bem... Salto duas vezes: uma por mim e outra por você.”
“Quem disse que crianças podem saltar de bungee jumping?”
Ele me agarrou pela cintura. “Criança? Quer mesmo saber o que a criança aqui pode fazer?”
Paramos de rir. A atração sempre tão forte era irresistível.
***
Eu já não sabia mais o que era o gosto dos lábios do Scott desde quando a Kate apareceu no primeiro semestre do segundo ano, causando o afastamento entre nós dois.
Mas já ela tinha partido novamente no segundo semestre e as discussões entre eu e o Scott tinham se tornado constantes.
“Eu já parei, quando é que você vai parar também? Ter ido à psicóloga ficará pra sempre no meu arquivo escolar e tudo por sua culpa.” 
“Minha culpa? Quando é que você vai começar a assumir alguma culpa?”
“Quando eu tiver.”
Ele mudou a sua expressão, sério de repente.
“Por que você sumiu?” Olhava-me como se não tivesse me visto por uma vida inteira.
Eu entendia o que ele estava sentindo, porque sentia o mesmo. “Eu não sumi de lugar algum...”
“Não se faça de desentendida, Mari! Sabe muito bem do que estou falando... As coisas estavam tão legais entre a gente... Por que parou de atender os meus telefonemas? Por que voltou a me evitar? E agora essas brigas idiotas de novo...” Scott continuou. “Foi por causa da Kate?”
“Sim! Foi por causa da Kate, era isso que você queria ouvir?”
“Por que você a odeia tanto?”
“Por que você não consegue nem disfarçar que é louco por ela!” Confessei. “Satisfeito agora?”
Ele segurou o meu rosto. “Mari, como você pode ser tão cega? O que eu tenho com a Kate é amizade, já cansei de te dizer. Eu só quero você...” Beijou-me e a saudade daqueles lábios me fazia ignorar qualquer razão. Nossos encontros furtivos pelo depósito da escola tinham se tornado lei.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

12- Razão x Coração

Matheus tinha me convidado para assistir com ele a competição de natação do colégio. Sally me encheu tanto a paciência para também ficar com a gente que não tive como negar. Ela queria poder se aproximar do Vítor, amigo do Matheus que participaria da competição. Assim, eu, Sally, Yasmin e Matheus nos reunimos no dia oito de abril.
“Eu não perderia isso por nada!” Sally soltou.
“Gosta assim de natação?” Matheus.
“E como...” A assanhada começou a rir.
“Ela gosta de qualquer coisa que deixe os garotos sem camisa, Matheus.”
“Principalmente se um desses garotos for o Vítor...” Yasmin completou.
Sally ficou sem jeito.
“O Vítor? Ele é meu amigo, mas é melhor você partir pra outra. Ele desconhece bons modos com as mulheres.” Matheus.
“Não fala isso, que aí que ela se apaixona de vez.” Yasmin disse rindo.
Sally permaneceu calada por um tempo, até pedir licença para ir ao banheiro e não voltar mais.
“Eles já chegaram e nada de Sally...”
“Será que ela ficou chateada com o que eu falei?” Yasmin. “Vou atrás dela.”
“Quer ajuda?” Matheus ofereceu.
“Não precisa, obrigada.” E saiu.
“Eu não devia ter dito nada sobre o Vítor, só achei que era melhor que ela soubesse.” Matheus.
“Ela não ficou assim pelo Vítor... Mas isso é uma longa história. Já ela volta toda Sally do jeito de sempre.”
E voltou, juntamente com a Yasmin.
“Lindos!!” Sally se uniu a torcida feminina escandalosa e tarada.
Matheus conversava com todas nós, completamente à vontade, como as meninas também estavam com a sua presença. Parecíamos todos velhos amigos. Não conseguia imaginar nenhum outro que pudesse ficar tão bem assim no lugar dele. Acho que Matheus ficava bem em qualquer lugar, avaliei. Ele era tão especial...
“Nem vou chamar vocês dois pra irem com a gente pegar autógrafos, porque já sei a resposta.” Sally falava comigo e com o Matheus.
“Yasmin vai?”
“Ela prometeu que iria.” Sally. “Eu mesma normalmente não iria, porque acho uma bobeira um nome num pedaço de papel, mas... Não posso perder a chance de me aproximar daqueles deuses seminus.” Pegou a Yasmin pela mão e a arrastou pela multidão até a fila que parecia nunca ter fim.
“Ela é sempre assim?” Matheus perguntou.
“Você não viu nem um terço.”
“Bora tomar sorvete?”
“Só se for agora!”
Fiquei surpresa quando chegamos na Alpínia.
“Você também vem aqui?”
“O sorvete daqui é o melhor!” Matheus.
Sentamos no pátio da sorveteria dividindo uma taça enorme com bolas de sorvete de todos os sabores.
“Sempre quis fazer isso...”
“Eu sempre faço. Não dá pra identificar o sabor de nada, mas é irresistível.”
Ri.
“Mari, você desistiu do Scott?”
“Você precisa parar de me fazer ficar sem palavras...” Disse depois de um tempo um pouco mais demorado engolindo uma colherada do sorvete.
“Não posso evitar.” Ele respondeu com um sorriso.
“Estou no processo. Ocupando o meu tempo, me convencendo que é melhor assim...”
“Você está bem com isso?”
“Vou ficar.” Esperava. “Mas e você, desistiu da Kate?”
“Como posso desistir de algo que nunca insisti?” Ele disse fazendo careta e escondendo a boca com a mão. “Você namoraria comigo?”
“Claro, Matheus! Quem não? Não entendendo nem um pouco a Kate, mas não sei... Talvez se você tentasse...”
Ele soltou uma risada gostosa. “Não esperava uma resposta tão animada, fico lisonjeado... Mas acho que respondeu assim porque não me entendeu.” Ele acariciou o meu rosto. “Eu quero saber se você quer namorar comigo...”
Isso porque tinha acabado de pedir para que ele parasse de me deixar sem palavras...
“Você não precisa ficar tão assustada. Se não quiser, só me falar. Sei que você ainda não esqueceu o Scott, eu também não vou mentir e dizer que esqueci a Kate, mas acho que poderíamos tentar juntos. Quando estou com você me sinto feliz como não me sinto com mais ninguém.”
Desisti de tentar falar, balancei a cabeça em sinal afirmativo.
Ele abriu seu sorriso perfeito, se inclinou na mesa e puxou o meu queixo, encostando nossos lábios. “Quer dar uma volta? Eu preciso te apresentar a uma loja de livros que abriu recentemente aqui perto. Lá tem todos os livros que você pode imaginar, desde os mais antigos aos mais atuais. A loja é enorme!”
Matheus era a coisa mais maravilhosa que tinha acontecido na minha vida, desde sempre. Quando eu pensava em príncipe encantado, pensava em alguém como ele. Talvez eu apenas estivesse sonhando.
Ele segurava a minha mão durante o caminho e aquilo não parecia nada estranho, como se sempre tivesse sido assim.
“Prometo que não falta muito.” Matheus.
“Não estou com pressa.”
“Prometo que na próxima vez venho com a minha bike.”
Acompanhei a risada dele, pena que por pouco tempo. Scott estava vindo na direção oposta a nossa. Pensei que fossem acontecer as piores coisas quando a sua expressão furiosa viu nossas mãos dadas, mas logo em seguida eu não sabia dizer se era tristeza ou ainda mais raiva que surgiu em seu rosto. Foi um impulso horrível, mas soltei a mão do Matheus no mesmo instante. Scott não pulou com socos em cima do Matheus ou nos insultou, como esperei. Ele apenas seguiu seu caminho sem nos olhar nos olhos. E, de alguma forma, aquilo me doeu muito mais do que se ele tivesse agido como um idiota.
Amar Scott era como estar em um prédio em chamas e pular para fora dele numa queda livre rumo às profundezas do mar onde não é possível respirar.
Antes que fossem seus lábios e seu sorriso maldoso a me atormentarem... Não a sua tristeza. E eu que cheguei a desejar lhe causar a mesma dor... Isso nunca teria funcionado.
“Quer ir atrás dele?” Matheus. “Ei, não chora...” Ele me puxou para seus braços, beijou o topo da minha cabeça e afagou meus cabelos.
“Desculpa, Matheus.” Consegui dizer.
“Você não tem pelo que se desculpar, Linda..”
Ficamos ali abraçados até que eu parasse de chorar. Ele iria me levar de volta para o dormitório, quando o parei. “Ainda quero conhecer a livraria dos sonhos de que me falou.” Esforcei-me.
Matheus era como o sol no meu dia, como a lua na minha noite. Era o que eu precisava exatamente quando eu precisava. E eu nunca poderia ser grata o suficiente por isso.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

11- O que foi x O que virá

Na tarde do dia seguinte, depois que convenci o Matheus de que por lá não tinha nenhum lugar para sair que não fosse mato, mato e mato, e depois de passar a manhã caminhando por toda a fazenda, nos rendemos à sombra da minha árvore preferida no campo em que eu sempre me escondia para ler.
“Posso te fazer uma pergunta?” Matheus.
Uma pergunta que precisasse de uma pergunta para ser feita, nunca era boa coisa. “Manda...”
“Você gosta do Scott?”
Fiquei em silêncio por muito tempo, o que fez Matheus acreditar que aquele era um assunto a ser evitado e começou a comentar sobre o tempo. E mesmo que ainda soubesse que ele falava sobre uma coisa e outra, minha mente já tinha sido levada para muito longe... Ainda pensando sobre o que eu sentia pelo Scott. Eu gostava do Scott? O que eu gostava nele?
“Mari?...”
“Ahm?”
“Você não ouviu uma palavra do que disse, né?”
“Eu gosto de tudo o que nos afasta...” As palavras foram acompanhando meus pensamentos. “Do seu pouco caso com as coisas, da sua confiança excessiva, de como ele faz tudo parecer tão simples, da sua ousadia, da sua liberdade, do seu sorriso rebelde, da sua teimosia, da forma como ele consegue conquistar qualquer pessoa... não sei como ele faz isso.”
Então eu percebi a verdade nítida bem na minha frente. O que eu nunca consegui entender me atingiu da forma mais cruel que poderia.
“A verdade é que eu amo tudo nele. E ele nunca foi o problema...” Fechei meus olhos. “Eu sou tão medrosa... Tão preconceituosa, egoísta, controladora, insegura, desconfiada... Eu quis que ele me esquecesse para que eu também pudesse esquecê-lo, mas isso não aconteceu. Quis que ele mudasse para que nada disso mais fosse um problema, mas a verdade é que eu nunca quis que ele realmente mudasse... eu o quero do jeito que ele é. Então pensei em mudar eu mesma... Só que eu continuo me sentindo uma ridícula em festas e aquela roupa de líder de torcida não foi feita pra mim. Eu não posso acompanhá-lo...” Fazia todo sentido que eu tivesse evitado aquela verdade por tanto tempo, porque eu estava fazendo a única coisa que eu evitava a todo custo fazer: chorar. “Nós dois não somos iguais nem nos completamos. Eu só não queria continuar me sentindo tão estúpida. Tudo o que eu faço só piora. Não faço nada certo! Acho que devo aceitar que vou continuar louca por um cara que nunca será meu...”
Não sei como aquilo foi acontecer. Foi tão rápido. Só tive tempo de ver o vulto perfeito selando os meus lábios com seu gosto maravilhoso. E tão logo começou, terminou. Matheus se afastou de mim com uma expressão aflita.
“Desculpa. Eu...” Suspirou.
Eu sequer pude dizer alguma coisa para acalmá-lo, estava surpresa e fiquei tão aflita quanto.
“Era quase como se eu estivesse me vendo e me ouvindo... E quando você começou a chorar... Desculpe, fui um idiota.”
“Se vendo?”
Matheus abaixou seus olhos castanhos. “Sei bem demais como você se sente, porque também sinto o mesmo por uma pessoa... Kate.” Ele deu de ombros.
Aproximei-me novamente dele, encostando minha cabeça na sua e o envolvendo com um braço. Ficamos um bom tempo assim, em silêncio, deitados de bruços na grama. Lamentando um pela tristeza do outro.
Pela primeira vez pude ficar ao anoitecer no campo sem a companhia dos meus pais. Comentei, brincando, com o Matheus sobre o quanto era uma pena não termos a bicicleta dele para voltarmos para casa e ele me catou no colo, rindo como uma criança.
***
Tinha combinado com as meninas uma visita ao Cemitério de Primavera na quarta-feira de cinzas. O pessoal da banda também foi.
Yasmin fez todos nós chorarmos quando começou a chorar diante do túmulo do pai.
Sally disse algumas palavras e colocou novas flores diante do túmulo da mãe.
Jack deu um beijo na própria mão e a lançou sobre o túmulo do pai.
Momentos como aquele me deixavam imensamente triste. A morte sempre me tirava as palavras e deixava no lugar um aperto desagradável no coração.
***
“Não sou mais líder de torcida.” Contei à Sally e Yasmin.
“Até você? Sempre achei uma brincadeira tão boba isso de dia primeiro de abril...” Sally.
“Hoje é primeiro de abril?”
“É.” Yasmin.
“Então eu espero até amanhã pra dar a notícia de novo.”
“Então é sério mesmo?” Sally.
“Acha mesmo que eu brincaria com isso?”
“Também não achava que um dia você iria ser líder de torcida e olha só.” Sally.
“Mas por que deixou de ser, Mari?” Yasmin.
“Porque não gosto. Foi uma ideia idiota desde o começo, eu só estava sendo teimosa, pra variar.”
Sally espremeu os olhos. “Você se chamando de teimosa assim numa boa? Quer mesmo que eu acredite que isso não tem nada a ver com o dia primeiro de abril? Rá! Não vou cair em mais nenhuma hoje, queridinha.”
“Acho que ela está falando sério, Ly.”
“É claro que estou. E tem mais. Vou me inscrever pra participar do jornal do colégio.”
“Por que tudo isso de repente, Mari?” Sally.
“Porque preciso ocupar o meu tempo e com coisas construtivas. Gosto de ler, de escrever, tenho muitas horas livres... parece perfeito pra mim.”
“Quero ser primeira página!” Yasmin.
“Isso se a Mari quiser perder de uma vez os leitores. Agora, se ela quiser sucesso total, é claro que sou a mais indicada pra ser capa.” Fez um gesto com as mãos. “Sally Carter: a melhor.” Ela mesma não aguentou e riu.
“Ainda nem me inscrevi e vocês já estão delirando.”
“E o Scott?” Yasmin.
“O que tem ele?”
“Pensei que você tivesse se tornado líder de torcida por causa dele...”
“É mesmo. Desistiu?” Sally.
“Fui longe demais com essa história. Por isso é melhor que eu ocupe o meu tempo com boas coisas.”
“Se você continuar parecendo tão madura, vai me deixar com dúvida de novo sobre estar mentindo ou não.” Sally suspirou teatralmente.
Dei um tapa por trás de sua cabeça. “Melhor assim?”
“Isso me fez lembrar de algo!” Sally disparou. “Pensa que não notamos você e seu novo amiguinho? Quando é que vai nos contar sobre você e o gato mais desejado do colégio? E me ensina seu segredo, pelo amor de Deus! Primeiro você conquista o Scott e agora o Matheus! Como você faz isso? Sério! Eu me mato de tanto esforço e eles nem me notam. Você só falta socá-los e eles vão correndo atrás de você... Seria esse o segredo: ser malvada?” Colocou a mão no queixo. “Não sei ser malvada.” Suspirou.
Dei outro tapa na sua cabeça. “Quem sabe dessa vez seu neurônio solitário funcione direito. Quer morrer me chamando de malvada? E eu e Matheus somos apenas amigos...”
“É o que sempre dizem...” Yasmin traidora.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

10- Farrear x Vegetar

A sala da casa da Sally era enorme, mas com toda aquela gente eu me perguntava pra onde tinha ido tanto espaço.
Próximo do carnaval, estávamos reunidos para decidir de uma vez onde passaríamos o carnaval e tudo mais que fosse necessário para o mesmo. Falavam de tudo, menos do que tinha nos levado ali.
Jack, como sempre, calado, apenas observando; como eu queria saber o que se passava na mente daquele garoto de olhos tristes. Vinícius falava com a boca cheia do bolo de chocolate que fiz. Ricardo e Caio estavam concentrados em somente comer. Talita conversava com o Derick. Yasmin ria das caretas da Sally a cada mordida do bolo.
“Cara, esse bolo da Mari é uma coisa de outro mundo!” Sally disse suspirando.
Vinícius limpou a boca e chamou a atenção da Sally; já vinha alguma besteira. “Se chocolate não existisse, você seria a coisa mais gostosa desse mundo.” O pior era a cara que ele fazia quando soltava essas cantadas baratas. Todos reviram os olhos, mas era inevitável rir.
Esperei um cala-boca-Vinícius da Sally, que não veio. Ela se inclinou na mesinha de centro que separava os dois. “Eu já não fiquei com você? Não? Vamos dar um jeito nisso.” E apontou com a cabeça para fora da sala.
Vinícius sorriu surpreso, aproximou-se mais dela, e encarou seus olhos seriamente. “Você tem um mapa? Acabei de me perder no brilho dos seus olhos.”
“Ok, já deu vocês dois!” Talita se levantou com a boca torta numa bronca.
“Tem Vinícius pra todas, paixão, não precisa brigar.” Vinícius.
“Alguém enfia bolo na boca dele o suficiente para que ele pare de falar, por favor.” Talita disse com um sorriso malévolo.
“Enfiem outra coisa na boca dele! Meu bolo querido n-ã-o!” Sally agarrou a bandeja de bolo.
A sala se encheu de risadas maliciosas. E antes que o Vinícius surgisse com piadas pesadas, Talita soltou um berro mandando que todos se calassem.
“Acho que já está pra lá da hora de decidirmos onde vamos passar o carnaval, não?!”
***
E não fez a menor diferença para mim que eles tivessem escolhido ir para uma cidadezinha próxima de Almerim que prometia ser o melhor lugar para o carnaval de dois mil e onze por todo o pessoal do colégio. Não importava apenas porque meus pais não me deixaram ir. Eu queria muito acreditar que teria alguma chance de ir caso não estivesse de castigo-por-toda-a-vida, mas conhecia os meus pais melhor do que isso.
O meu carnaval seria confinada na fazenda da minha avó. Não era o fim do mundo, porque eu adorava o sossego das leituras, mas queria tanto poder passar aqueles dias com meus amigos...
Minha avó sabia do meu castigo e como uma boa vó coruja que era achou um absurdo. Por isso veio até mim, tentando me animar, logo após o almoço do primeiro dia de carnaval.
“Mariana, sei o quanto queria estar com seus amigos, mas quando seus pais colocam uma ideia na cabeça só milagre! Não quero que minha netinha passe o carnaval solitária pelo campo com um livro nas mãos...” Pela primeira vez, também não queria. “Então, fiz o melhor que pude convidando um casal de amigos que estão sempre me sondando pra comprar minha fazenda... Nem pensaram em recusar meu convite de passarem o carnaval conosco. Eles têm um filho da sua idade que também estuda no Colégio Elite. Talvez vocês até já se conheçam. E ele é um ótimo partido...” Minha vó insinuou. “Nada como uma história de amor iniciada numa fazenda...”
Fiz careta. “Vó...”
Ela soltou uma risada. “A ingrata da sua mãe não aproveitou as boas oportunidades que teve, não cometa o mesmo erro. Tudo bem se não for com esse... Mas nunca é cedo demais para começar a avaliar as suas opções.”
Teodoro nos interrompeu avisando da chegada das visitas.
“Em boa hora!” Minha vó me segurou pela mão e me levou até a sala com ela.
“Queridos! Não morrem mais... Falava de vocês para a minha neta agora mesmo.”
“Espero que bem... Estávamos muito ansiosos para encontrá-los.” A senhora gorducha falou sorridente.
“Cadê o rapaz?” Minha vó perguntou enquanto abraçava a senhora.
“Ele esqueceu o celular no carro... Sabem como são esses jovens de hoje, não vivem sem o celular grudado com eles vinte e quatro horas por dia. No meu tempo nós nem sabíamos o que era isso...”
“Dei um de presente para a minha neta há pouco tempo, mas se você perguntá-la o seu número aposto que ela sequer sabe. Ela é uma mocinha mais das antigas, que sabe o valor de uma boa leitura, boa cozinheira, ordeira, tem ótimas notas na escola, uma filha e neta dos sonhos. Vivo dizendo que o rapaz que conquistar a minha neta estará feito!” Minha vó fez a minha propaganda descaradamente e os pais do rapaz me olharam realmente satisfeitos.
Era só o que me faltava passar o carnaval tendo que aturar algum interesseiro correndo atrás de mim. Imaginava o que os meus amigos estariam fazendo... O que o Scott estaria fazendo...
Todos os meus pensamentos pareceram muito distantes quando aquele rosto salpicado de pintas abriu um sorriso enorme assim que me viu ao aparecer na sala. De forma alguma o meu carnaval seria insuportável com a sua presença, talvez eu devesse mesmo agradecer a minha vó por trazer o Matheus para o nosso fim de mundo.
“Esse é o nosso menino...”
“Ele já é um rapaz feito, Nora.” O senhor a corrigiu.
“Ah! Eles crescem tão rápido!”
“Matheus, certo?” Minha vó perguntou.
Ele estendeu a mão para a minha vó com seu sorriso perfeito nos lábios. Vi o olhar encantado que isso causou na minha velha.
***
“Ainda não acredito que você também veio...” Comentei, deitada no campo ao lado do Matheus.
“Eu teria ido com o pessoal, mas meus pais me arrastaram para cá... que bom!”
Tínhamos passado a tarde toda jogando conversa fora e brincando de ver desenhos nas nuvens.
“Bom parar no meio do nada onde a melhor atividade é olhar as nuvens?”
“Quase. Bom parar no meio do nada onde a melhor atividade é olhar as nuvens com você.”
Um frio atingiu meu estômago.
“Teria sido péssimo ter vindo pra cá e ter me deparado com uma maluca com os meus pais querendo que eu passasse cada segundo do meu carnaval com ela. Sei que não sou a melhor companhia do mundo, mas já pensou se fosse alguém pior?” Ele completou.
“Não quero nem imaginar. Mas você vai morrer de tédio do mesmo jeito... Eu sempre gostei de vir pra cá pra ler, mas pra você que...”
Ele me interrompeu. “Não faça conclusões precipitadas. Eu amo ler e entendo porque gosta de vir ler aqui... Esse silêncio é perfeito, além da vista que é incrível.”
Virei de lado, encarando-o surpresa. “Você gosta de ler?”
Ele não se virou, sorrindo com os olhos fechados. “De preferência um bom clássico.”
Aquele garoto existia de verdade?
“Ninguém nunca te disse sobre o quanto é errado julgar pelas aparências, Mariana?”
“Desculpa, eu...”
“Não por isso. Acho que é um erro que todos acabam cometendo. Loira burra. Negro bandido. Quatro olhos intelectual. Engravatado importante. Líder de torcida fútil. Rapazes populares galinhas. Mas você não pode dizer nada disso antes de conhecer a pessoa. A primeira impressão nem sempre é a certa. E não é por eu gostar de festas que também não sei apreciar um bom livro. O mundo é mais cinza do que preto e branco, Mari...”

sexta-feira, 8 de julho de 2011

9- Nerd x Líder de Torcida

Era noite do nosso último dia de aula e eu passaria em casa, como sempre fazia, mas uma colega do clube de biblioteca esteve empolgada há dias com essa festa de despedida na casa de uma das lideres de torcida, todos tinham sido convidados para uma festa em que somente poucos selecionados costumavam ser. Minha colega acabou por me convencer a ir e, confesso que, a minha curiosidade por saber como eram aquelas festas que realmente acabou por me empurrar até lá.
Nunca tinha visto nada como aquilo e odiei assim que coloquei os pés. Aquela música alta, aquelas pessoas esbarrando o tempo todo, bebida... E isso ainda era o de menos. 
Eu era a garota que vivia socada na biblioteca da escola, ali não tinha nada a ver comigo e já estava prestes a sair com a minha curiosidade satisfeita... só que não foi assim que aconteceu.
Não entendi nada quando fui puxada e arrastada no meio de todos. Fui amarrada numa pilastra pelos garotos do basquete. As animadoras colocaram um funil na minha boca e derramaram bebida. Mexeram no meu corpo. Fiquei amarrada na pilastra só com as roupas de baixo sem que ninguém fizesse nada além de rir. Em algum momento apaguei. Só lembro de acordar vestida, na porta de casa. 
Contei aos meus pais. Comecei a me exercitar com meu pai e pedi que ele me ensinasse alguns golpes. Minha vó fez questão de me colocar no Colégio Elite e, assim, eu e meus pais fomos para Primavera.
Queria acreditar que não era mais aquela garota ingênua e frágil, mas descobri aos poucos uma triste verdade... A dor e a raiva só me transformaram numa Mariana que sabe exatamente bem o quanto é frágil e que teme mais do que tudo que o resto do mundo descubra isso também.
***
Dois dias depois do aniversário do Derick de dezenove anos, no dia do amigo, foi inaugurada a rádio do colégio. Durante todo o dia foram lidas mensagens dos alunos. Recebi uma inesperada:
Será que ainda consigo encontrar a garota com humor afiado para dar um passeio comigo de bicicleta novamente? Do ancião.
Ri sozinha relembrando a cena. Seria bom rever o Matheus, se eu não andasse tão ocupada treinando incansavelmente para o teste de líder de torcida...
Mas não pude fugir muito desse encontro quando nos esbarramos pelos corredores dos clubes, alguns dias depois.
“Mari!” Ele sorriu genuinamente. “Já estava começando a acreditar que você tinha sido fruto da minha imaginação.”
Sorri em resposta.
“Meu pedido de aniversário foi atendido antes mesmo que eu soprasse as velinhas.”
“É seu aniversário hoje?” Dia vinte e três de fevereiro.
“Dezenove anos...”
“Nossa! Meus parabéns!”
“Não ganho nem um abraço?”
Minha face aqueceu quando o abracei. Foi um abraço longo e percebi que ele não era o único que sentiu saudades.
“Vou dar uma festa nesse final de semana lá em casa, seria bom se você fosse.”
“Eu adoraria, Matheus, mas ando atolada de tarefas, vou ter que deixar pra a próxima.”
“Vou cobrar...”
***
Bem no primeiro dia do mês de março foi o teste para ser uma líder de torcida. Eu precisava conseguir depois de tanto esforço.
“Próxima.” A treinadora me chamou.
Era eliminatório. Milhões de garotas lutando por apenas quatro vagas. Começamos dando diversos tipos de saltos, a maioria já foi eliminada aí. Depois mostrando a nossa flexibilidade, nessa eu quase acreditei que não passaria. E, por último, dança livre, há algumas semanas eu nunca teria sido capaz de sequer fingir estar dançando.
“Agradeço a todas vocês que chegaram até aqui. Mas como todas sabem somente quatro de vocês vão poder fazer parte de nossa equipe. Aos nomes citados já dou os parabéns por serem as novas integrantes.”
Diz que eu passei, diz que passei...
“Juliana Silva... Carla Alves... Kate James... E Mariana Vasconcello.”
Ah! Consegui!
“Peço que as novas integrantes permaneçam aqui na sala e ao restante que se retire.”
Eu podia ver a indignação das outras com a minha presença, mas pouco me importava já que era recíproco. Assim que só ficaram na sala as líderes de torcida, a treinadora começou a falar. “Meninas, mais uma vez parabéns por terem conseguido passar nos testes e já aviso logo que daqui a um mês teremos mais outro, para decidir a nova capitã. Até lá continuaremos com a do ano passado que é a Luiza Leite. Temos ensaios de segunda à quinta, de seis e meia às oito e meia. Atrasos e faltas não justificadas resulta em exclusão da equipe. Para as mais antigas, conto com vocês para fazer com que as novatas se sintam em casa. Podem ir, aguardo vocês aqui amanhã às seis e meia, não esqueçam.”
Algumas abusadas fizeram questão de esbarrar em mim ao sair da sala, talvez necessitassem de um tapão pra enxergarem o espaço vazio enorme até a saída.
“Scott não acreditou quando disse que seu nome estava mesmo na lista de inscrição, imagina agora quando souber que você passou no teste.” Kate surgiu na minha frente.
“Então ele vai se surpreender muito mais com o que está por vir.”
“Isso tudo é por causa dele, Mari?”
“Kate, não tenho que provar nada a ninguém, mas desta vez eu faço questão.”
“Vou gostar de ver isso.”
A conversa terminou assim.
Encontrei o Scott parado no portão do dormitório feminino. Tentei passar direto, mas ele me pegou pelo pulso. “Ei, vai mesmo fingir que não me viu?”
“Só mais uma tentativa frustrada de manter o meu dia agradável.”
Scott revirou os olhos.
“O que você quer?”
“O de sempre, Mari... Você.”
Espremi um sorriso. “Então perdeu a viagem.”
“Ah, para... Soube do seu feito.”
“Que feito?”
“Líder de torcida.”
“Hum...”
“Sei que fez pra chamar a minha atenção, então, vim te parabenizar, fiquei realmente surpreso.”
“Ah, bonitinho, não fiz isso pra chamar a sua atenção, mas pra chamar a atenção de todos os jogadores. Soube que eles preferem as animadoras de torcida, decidi que seria um bom investimento me tornar uma.”
Seu sorriso sumiu e ele apertou com mais força o meu pulso.
“Me solta! Está me machucando.” Tentei me desvencilhar.
“Não brinca comigo.” Scott disse entre os dentes soltando meu pulso.
“Só achei que seria muito injusto que você fosse o único a brincar.” Rebati.
Ele se aproximou, me prendendo contra a parede. “Você ainda não entendeu, né?”
“Entender o quê?”
“Que isso não é um jogo.”

quarta-feira, 6 de julho de 2011

8- Ajudar x Zombar

“Diz que estava na casa da Kate, numa festa de pijamas, fazendo novas amigas.” Matheus me aconselhou.
“O ancião está me dando a ideia de mentir para os meus pais?”
Quando ele abriu novamente aquele sorriso perfeito desejei poder fazê-lo rir mais vezes.
“Ou você pode contar a verdade e ficar de castigo pro resto da vida.”
Minha vez de rir. “Tá bom! Fico com o conselho que vai salvar a minha pele.”
“Foi o que pensei.” Olhou para a porta.
“É... Vou lá.” Fiquei sem jeito. “Tchau.” Dei um sorriso e acenei.
Minha despedida ridícula fez ele tentar esconder um sorriso ao imitar o meu gesto.
Eu não estava com a menor pressa de encarar os meus pais, mas acelerei os passos até a porta de casa, querendo enfiar a minha cara no chão. Seria demais que eu o abraçasse e agradecesse por tudo? Uma despedida de seres normais? Por que fiquei tão sem graça? Ah... Como se eu não soubesse a resposta!
A mentira sobre o que fiz na noite anterior não me livrou de ficar de castigo pro resto da vida, mas, com certeza, de matar os meus pais do coração.
***
“Se olho para essas lajes, vejo nelas gravadas as suas feições! Em cada nuvem, em cada árvore, na escuridão da noite, refletida de dia em cada objeto, por toda a parte eu vejo a tua imagem!” Emily Brontë – O Morro dos Ventos Uivantes.
Meu livro favorito agora parecia zombar de mim, porque todas aquelas palavras - até as que não tinham semelhança com o Scott - levavam meus pensamentos até ele.
Eu não o amava. Amor é lindo e puro. Eu o odiava. E odiava mais do que tudo que todas as coisas horríveis que eu lhe desejasse doessem tanto no meu coração.
O livro voou das minhas mãos com o susto que levei quando ouvi o barulho irritante vindo da minha janela e vi a imagem do Matheus.
Ele esfregava as mãos lutando contra o frio, quando fez um movimento com a cabeça indicando que eu saísse, com um sorriso apologético pendurado no rosto. Matheus olhava ansioso para além da varanda e de volta para a trava da janela, e enquanto eu lutava para abri-la, via pela primeira vez o quanto ele realmente era lindo.
Os traços do seu rosto era todos simétricos, com algumas pintas salpicadas. Ele não era nada como aqueles magrelos da escola. Alto na medida certa. Movimentos repetitivos com uma mão tirando o cabelo que insistia em cair em seus olhos que mantinham um olhar suave e desatento. Ele exalava uma atmosfera despreocupada.
E eu não devia estar pensando em nada disso, além de abrir de uma vez a janela... E no máximo, no que ele fazia ali.
Matheus suspirou aliviado quando a janela se abriu. “Imaginei que você fosse precisar de ajuda pra fugir daqui hoje.”
Puxei-o pela camisa para dentro do quarto e encostei a janela.
“Quer virar picolé saindo assim sem casaco?” Disse, pegando minha coberta e enrolando nele.
“Não sabia que fazia mais frio por essas bandas.” Ele tentava se aquecer.
“Se meus pais te vissem...”
“Não queria te trazer problemas, desculpa. Só achei que talvez você tivesse com o tipo de castigo eterno que precisa ser trapaceado.”
Sorri. “Estou mais preocupada em diminuir a minha sentença ao invés de piorar tudo.”
“Depois eu sou o ancião.”
Mordi os lábios, tentada a sair dali só porque ele fazia isso parecer tão interessante.
“Preciso de cindo minutos para trocar de roupa.”
Puxei uma blusa com as costas nuas que a doida da Sally tinha me dado e um jeans escuro do guarda-roupa. Encarei o salto alto sem vontade e inalei fundo. Antes de abandonar o quarto catei um casaco, lembrando do frio que estava fazendo lá fora.
Descer pela sacada do meu quarto me deixou com a adrenalina nas alturas. O medo de cair, o medo de ser pega por meus pais... E de alguma forma eu estava gostando de tudo aquilo.
No portão principal me deparei com uma bicicleta e com um gigante subindo nela, pedindo que eu o acompanhasse. Não consegui segurar o riso com aquela visão. Matheus não cansava de me surpreender em tão pouco tempo.
“Ah, para... Não sei dirigir e fazer barulho aqui não seria legal de todo jeito. Sobe logo, vai...” Pediu.
Sentei de lado na sua frente. “Sei que não é confortável, mas você nem vai ter tempo de pensar nisso. É melhor se segurar firme.”
Exatamente como ele disse. Meu cabelo devia estar uma beleza depois daquela correria, mas eu pouco me importei; foi tão divertido.
A música alta era ouvida de longe. Desci num salto da bicicleta. Não vi onde o Matheus a guardou, preocupada demais em descobrir se o Scott estava no meio de toda aquela gente na varanda da casa da Kate.
Matheus apareceu jogando seu braço por cima dos meus ombros, lançando a cabeça na minha direção. “Hoje vou te manter longe de bebida.” Sorriu.
Enrubesci. “Não tenho o costume...”
“Dessa vez podemos dançar livres dos efeitos do álcool.” Deu um beijo estalado na lateral da minha testa, como se fossemos tão íntimos e amigos... Um arrepio percorreu por todo o meu corpo. Não me afastei dos seus braços pelo curto caminho nem recusei a sua mão quando me ofereceu depois de subir os degraus na minha frente.
Deixei meu casaco no cabideiro e fui levada até o meio de onde todos dançavam pela mão firme do Matheus.
 Ele começou a se mexer e fiquei perdida sem saber como deveria dançar. Matheus sorriu ao perceber e disse alguma coisa que não pude entender com o som alto interferindo. Apontei para longe e falei devagar. “B-a-n-h-e-i-r-o” Avisando que voltaria logo. Ele balançou a cabeça entendendo.
Mentira que eu procurava algum banheiro, só queria encontrar o Scott. Queria me torturar mais um pouco vendo o que ele fazia que, com certeza, não iria me agradar. Tive o que pedi.
Nem mesmo aquelas luzes piscando sem parar poderiam fazer com que eu não o reconhecesse. Scott estava aos beijos com uma garota que nunca vi antes. Ele também me viu, entre seus beijos, e recorreu com mais vontade à boca da garota.
Senti uma raiva tão grande de mim mesma e me fiz uma promessa... Eu faria com que ele sentisse mil vezes mais o que eu estava sentindo naquele momento, com olhares curiosos ao redor comentando sobre a minha vergonha. Eu o deixaria na minha posição e então ele sentiria, finalmente, qual é o gosto de ser feito de bobo.
Senti uma lágrima quente que odiei ter deixado cair. Ouvi risadas, enquanto lutava para chegar até a saída daquele lugar. Todos eles... Todos eles nunca mais iriam rir de mim novamente.
***
Final de ano, naquele lugar dos meus tormentos. O colégio era perto de casa e estudei nele durante toda a minha vida. Cercada por aquelas patricinhas lideres de torcida que se achavam melhor do que todas, só por rebolarem com seus corpos esbeltos usando uma saia/cinto. Cercada por garotos altos, musculosos e estúpidos que eram idolatrados por todos só por correrem pelo pátio quicando uma bola na mão.
A arrogância nesses tipos não teria sido um problema para mim, se eles não fizessem questão em perseguir a-quatro-olhos-gorducha-nerd-tímida. Eu não era a única perturbada por eles, mas duvido que algum outro tenha terminado o último ano do ensino fundamental como terminei...

segunda-feira, 4 de julho de 2011

7- Lar x Campo inimigo

Acordei com o som irritante do meu celular. Joguei as mãos para o canto em que sempre deixava o aparelho no dormitório, mas minhas mãos alcançaram apenas o vazio. Estava com tanto sono que agradeci quando o barulho cessou.
Logo o meu celular retornou a sua cantoria. Abri os olhos e sai da cama sem vontade, engatinhando, caçando pelo chão de onde vinha o som. Achei o celular em cima de algumas roupas num sofá. Só quando vi na tela Casa que olhei ao redor com mais atenção. “Alô?”
“Onde você está, Mariana?” Fazia-me a mesma pergunta. “Sabe que horas são? Por que não atendeu as minhas chamadas? Quando liguei pra Yasmin ela me disse que você devia estar na Sally, quando liguei pra Sally ela disse que você devia estar na Yasmin. Seu pai está que nem um doido te procurando pela cidade.”
“Desculpa, mãe...” A minha cabeça latejava.
“Onde você está, Mariana?”
“Eu...” Olhei ao redor mais uma vez, tentando recordar de alguma coisa. “Já estou indo pra casa, mãe.”
“Vou avisar ao seu pai. Não pense que vai sair dessa só com uma boa explicação, Mariana.” Desligou.
Fiz o impossível deixando a minha mãe nervosa. Suspirei quando vi que já era tarde de sábado.
Eram as minhas roupas dobradas em cima do sofá. Vestia uma camisola desconhecida pra somar a todo o resto desconhecido que me cercava. Troquei de roupa antes de deixar o quarto.
Toda a minha memória sobre a noite passada terminava no momento em que eu pegava a mão do Matheus para ir dançar. Eu tinha desmaiado? Estava na casa dele? “Meu Deus!” Temi os pensamentos que me vieram.
Segui as vozes que vinham do andar debaixo. O cheiro de comida fez meu estômago roncar.
Deparei-me com uma cena na copa que me deixou com mais perguntas do que respostas. Kate sentada numa bancada, balançando as pernas e cheia de sorrisos. Scott de costas, mexendo em alguma coisa no fogão. Vítor com as pernas esticadas em cima da mesa. Matheus puxando uma cadeira próxima do Vítor. Albergue? Estava tendo alucinações?
Scott foi o primeiro a notar a minha presença, quando virou rindo e conversando. “Mari?!”
“A stripper acordou!” Vítor zombou me vendo.
“Stripper?!” Perguntei sem realmente querer saber o motivo daquele apelido.
Segurei a cabeça com as mãos e senti as mãos do Matheus nas minhas costas. “Melhor você se sentar, Mari. Deve estar com fome.” Ele deu uma olhada no Scott e riu sem jeito. “A comida não é das melhores, mas vai te sustentar.”
Vítor gargalhou. “Matheus não vale nada.”
“Cala a boca, Vítor!” Matheus.
Scott bufou.
“Onde estou?”
“Na minha casa.” Kate respondeu.
“Na sua casa? O que estou fazendo aqui?”
Scott fechou ainda mais a cara. “Vestida.” Largou um pano que segurava na pia. “Já vou.”
“Fala sério, Scott!” Vítor.
“Ah, vai logo, então, Scott! Às vezes, você fica insuportável.” Kate revirou os olhos.
Assim que o Scott saiu da cozinha, Matheus sentou-se ao meu lado. “Quer que eu pegue alguma coisa pra você? Não sei o que você gosta de comer...”
Vítor se levantou. “Depois me liguem pra avisar o que vão fazer mais tarde.” Foi até perto da Kate, perto demais, e vi o desconforto que ela sentiu com essa aproximação. “Fui, gata.” Lançou uma mão na sua nuca, por cima dos cabelos, e se inclinou, beijando sua clavícula. Reparei quando a Kate tremeu antes de se afastar.
Vítor passando por mim, encarou-me divertido. Ameaçou dizer alguma coisa, mas apenas balançou a cabeça rindo e saiu.
Deitei a cabeça na mesa. “Devo perguntar o que fiz noite passada?”
Kate riu da pia. “Nada que eu já não tenha feito, queridinha.”
Gelei com o pensamento.
A gargalhada da Kate estalou profunda na minha cabeça. “Relaxa, Mari.” Ela trouxe uma bandeja com um copo de café e uma omelete com aparência suspeita, mas com a fome que eu estava... “Obrigada.”
Kate sentou-se a minha frente.
“Come, vai se sentir melhor.” Matheus.
“Se lembra de alguma coisa?” Kate.
Vi o Scott sem conseguir tirar os olhos dela dançando e depois ele no meio da pista, cercado por garotas. Nada que eu quisesse lembrar. “A gente ia dançar.” Apontei pro Matheus.
“Só isso?” Ela perguntou. “Você arrasou dançando no meio da galera. Com direito a blusa rodopiada no ar e lançada longe... Matheus sofreu pra encontrar depois.”
“Oh, meu Deus!” Fui possuída? “Diz que isso não aconteceu de verdade...”
“Mas você desmaiou antes de...” Matheus.
“Antes do quê?”
“Antes que tirasse o resto.” Kate completou.
Suspirei. Eu realmente levei a sério o lance de chamar a atenção do Scott...
Inspira e expira... um, dois, três...
 “Mi casa es su casa. Fique à vontade.” Kate disse, levantando-se. “Volto num instante.”
Não tinha cara para encarar o Matheus.
“Desculpa... Não consegui te parar.” Ele olhava suas próprias mãos na mesa. Ficou tão bonitinho se desculpando por algo que não devia...
“Você não tem culpa.” Lembrei dos meus pais. “Mas preciso ir logo pra casa, meus pais querem me matar e algo me diz que ainda é possível que isso piore se eu demorar mais um pouco sem aparecer.” Disse me levantando.
Matheus se levantou junto. “Eu vou com você.”
Estava a ponto de negar a sua companhia, mas a sua presença era tão agradável que não fui capaz.
Encontramos a Kate na varanda com um cigarro na mão. Ela fumava? Não sei por que achei estranho. “Já estão de saída?”
Forcei as palavras a saírem. “Obrigada pela estadia.” Não a encarei, já tinha esgotado a minha cota de humilhação por toda a vida.
“Volte hoje à noite. Vou fazer alguma coisa aqui.”
Só acenei já de costas.
No caminho, Matheus me perguntou. “Você vai à festa da Kate?”
“Nem mesmo se eu quisesse. Esqueceu que meus pais vão me matar?”
Ele sorriu. “Se quiser que eu explique a eles sobre a noite passada...” Ofereceu.
“Não.” Disparei. “Obrigada, mas isso, com certeza, só apressaria a minha morte.”
“Claro. Que ideia a minha.”
Pensei no quanto o Scott se sentia à vontade na casa da ruiva sardenta. Fazendo comida... Ele era seu empregado agora? Aff!
“É aqui.” Disse, sentindo meu coração acelerar com a imagem que a minha mente projetou dos meus pais pedindo explicações que eu não tinha.
Levei um susto quando senti os lábios do Matheus tocarem a minha testa. Aquele comportamento dele era tão curioso. Como um garoto do time de futebol da escola - o mais lindo e popular - amigo do Scott e toda aquela turma podia ser tão educado e gentil?

sexta-feira, 1 de julho de 2011

6- Agir x Pensar

Ainda ofegava em seus braços depois do beijo inesperado. Eu nunca teria o bastante daquilo. Scott encostou a sua boca no meu ouvido e sussurrou, tremi. “Quer fugir daqui?”
Como ser cruel ou indiferente com ele tão perto de mim?
Ele afastou sua cabeça um pouco para trás, para me encarar, seus olhos castanhos brilhavam.
Não me olhe tão intensamente, Scott. 
Apoiei minha cabeça em seu peito, fugindo de seus olhos, prolongando aquela tortura adorável de seus braços ao meu redor.
Todos diziam que Scott havia mudado; sobre o fim de suas brincadeiras de mau gosto. Mas então por que ele insistia tanto em brincar comigo? Não importava quantas vezes ele me dissesse palavras lindas e me olhasse daquela forma... Era nos braços de outra que ele terminava a noite. E eu temia mais do que tudo que ele terminasse de uma vez de esmagar o meu coração caso eu finalmente me rendesse. Só eu sabia o quanto eu era doente por ele. Só eu sabia a força que precisava usar toda vez que o afastava de mim. Eu não queria que ele se fosse, mas também não queria que ele ficasse... O quanto disso fazia sentido?
“O que eu posso te dizer pra te fazer desistir, Scott?”
“Aceitar meu convite. Simples, não?!”
Minha risada saiu abafada contra seu peito. Levantei meus olhos para dizer que iria, não era nada demais também, mas ele não estava olhando para mim. Segui seus olhos e antes mesmo de encontrar o que ele via, eu já sabia que tinha cabelos ruivos.
Kate estava se insinuando numa dança para o Luan.
Afastei-me dos braços do Scott, sem saber se a dor que sentia era por estar tão cansada de estar sempre fugindo dele ou por ouvir ecoando na minha mente ele me chamando de sem graça.
Eu não tinha aqueles cabelos longos alaranjados, não tinha aqueles olhos claros, não tinha aquela face sardenta, não tinha aquela ousadia, eu não era Kate. Ela era linda, mas eu não queria invejá-la e nunca teria, se toda vez que ela estivesse por perto o Scott não fosse absorvido por sua presença.
Eu não podia competir com aquilo, não era justo. E pela primeira vez eu estava esgotada de fingir que estava tudo bem. Eu não queria ser a aluna exemplar ou a filha perfeita se aquele era o meu prêmio. Tudo o que eu queria estava bem na minha frente, naquele garoto que bagunçava todos os meus planos.
Scott teve dificuldade em desviar os olhos daquela cena para me ver saindo de perto dele. “Mari?...” Perguntou confuso e encarou rapidamente a Kate e o Luan de novo.
Virei as costas sem responder.
Então era assim... Mas eu não me daria por vencida. Já estava mesmo com os dois pés enterrados naquilo, por que não afundar todo o resto de uma vez?
Fui até o bar. “Quero um desses coloridos com enfeites.” Apontei para um copo sobre o balcão.
O bartender me encarou com uma sobrancelha erguida. “Identidade, por favor.”
Ah, tá! Uma porção de adolescente circulava com todo tipo de bebida e ele escolheu negar justo pra mim?!
Já estava prestes a dizer-lhe palavras nada bonitas quando uma mão se apoiou no meu ombro. “Traz um blue lagoon pra moça, por favor.” E com a outra mão colocou um bolinho de dinheiro no bolso do bartender, que foi preparar a minha bebida no mesmo instante com um sorriso no rosto.
“Eles só entendem essa língua.” Era o Matheus, amigo do Scott.
“Obrigada.”
“Nada. Planejando beber sozinha, por quê?”
Ele era do time de futebol da escola. Tido como o garoto mais lindo e desejado do Colégio Elite; mil vezes mais que o Scott. Sempre estava cercado por garotas nos intervalos das aulas, mas ele parecia meio bobo... Era simpático com todas, mas nunca o vi agarrado com alguma nem nada. Seria gay? Dizem que eles são os mais lindos e simpáticos.
“Se você pedir mais uma bebida e se sentar, não estarei mais sozinha.”
Senti uma pontada no peito com aquele sorriso perfeito. Matheus se sentou ao meu lado. “Só vou passar a bebida, não sou fã.”
“Ah...” Disse enquanto o bartender colocava aquela taça com líquido azul na minha frente.
“Mais um, por favor.” Matheus pediu.
Encarei surpresa.
“Não vai ser um problema te acompanhar.” Explicou.
Tomei o drink em duas goladas.
“Tem alguém querendo voltar pra casa carregada?” Perguntou rindo.
Sorri em resposta. Flashes de quando acordei em casa após ter sido carregada pelo Scott do ClubMix me apanharam; tudo sempre caminhava até ele.
“Mais um, por favor.” Pedi ao bartender.
“Você parece chateada e nada contente por estar aqui...” Ele me incentivou a falar.
“Qual é o problema de vocês garotos? Um par de seios fartos e belas pernas são tudo o que vocês conseguem ver? Posso conseguir isso também com um bom cirurgião.” Tomei uma golada da bebida assim que surgiu na minha frente.
Matheus soltou uma risada. “Parece justo. Vocês mulheres só se interessam pela nossa conta bancária.”
“Claro que não!”
Ele espremeu os olhos e ergueu uma sobrancelha.
“Nem todas...” Corrigi.
“Então, agora você vai aceitar se eu disser que nem todos os homem só procuram peitos e pernas?”
Levantei as mãos. “Você tem argumentos. Só queria conseguir acreditar. O único cara que pensei que fosse diferente está hipnotizado por uma garota seminua.”
Ele riu. “Dê crédito ao rapaz. Luan é jovem e inexperiente.” Matheus era algum ancião por acaso? “E o mais importante é que ele é de carne e osso. Você também não deixaria de notar um cara sem camisa na sua frente.” Ele tinha reparado quando vi o peitoral - incrível - do Vítor?
Seus argumentos com sinceridade fácil me deixaram sem conseguir rebater no mesmo nível. “Eu não disse que era o Luan...”
Ele inclinou a cabeça como se dissesse que era óbvio que era o Luan.
“Tudo isso cansa, sabe? Nos enchem de contos de fadas na nossa infância toda pra quando a gente crescer quebrar a cara feio por ter acreditado em todas essas besteiras. Não quero um príncipe encantado, só quero um cara que não fique todo encantado com cada rabo de saia que apareça. É pedir muito?”
“Você é muito nova pra estar tão desacreditada assim.”
“Você é um muito novo pra ficar falando como se fosse um velho...” Resmunguei e ouvi sua risada gostosa mais uma vez.
“Hoje estou inspirado.”
Apoiei o queixo na mão e o fitei, curiosa. “Você não parece tão maduro no colégio.”
Ele imitou o meu gesto. “Nem você tão engraçada.”
Vi o Scott dançando com três garotas. Não encontrei a Kate nem o Luan.
“Quer dançar?” Perguntei ao Matheus.
“Bora!” E mostrou seus dentes branquíssimos novamente, pondo-se de pé e me oferecendo a mão. Senti uma pequena tontura quando levantei, apoiei-me em sua mão com mais força do que planejei.