segunda-feira, 8 de agosto de 2011

22- Depósito x Rosas


Toquei a maçaneta e respirei fundo uma vez antes de girá-la. Abri a porta apenas o suficiente para entrar e o fiz sem olhar muito adiante, não querendo ver aquele espaço sem o Scott lá, nem mesmo por uma vez sequer.
Ainda estava fechando a porta e tomando coragem quando senti uma força contra, tentando abri-la. Afastei-me. Scott entrou olhando para o chão, depois se virou para fechar a porta. Finalmente ele olhou nos meus olhos. Seu olhar era terno e tão cheio de saudades quanto os que eu encontrava no espelho.
Aquele par de braços fortes me envolveu. Ele aspirou profundo com seu nariz gelado tocando meu pescoço. Eu poderia ter passado a eternidade naquele abraço.
Scott me afastou um pouco, apenas para analisar meu rosto, acariciou-o antes de me apertar novamente em seus braços
“Senti tanto a sua falta...” Tive coragem de dizer, com nossos rostos lado a lado.
“Também...” E me apertou com mais força, antes de me soltar.
“Cheguei a pensar que nunca mais fosse te sentir tão perto de mim, depois do que você me disse sábado.”
Ele se encostou numa parede com seus braços cruzados, depois descruzou e me puxou para si. “Tem ideia do quanto...” Apertou com força meus braços. “Não suporto te ver com outro.”
Flashes dos meus momentos com o Matheus me apanharam. Como eu era suja. Eu não consiga me arrepender inteiramente de nada. Estive tão desesperada por não sentir a falta do Scott...
Repousei minha cabeça em seu peito. “Foram tantos maus entendidos, Scott...”
“Você me dizendo isso... Você pedindo pra me ver... Querendo conversar comigo... Não parece real.”
“Quando você sumiu...” Minha voz tremeu.
Scott segurou minha cabeça com suas mãos e sua expressão era de partir o coração.
“Você me confunde tanto. Tudo o que eu mais quero é poder estar sempre com você, Mari.”
Eu queria dizer as palavras. Era o momento perfeito e elas vivam gritando repetidas vezes dentro de mim. Meu coração batia muito forte. Era algo que eu deveria dizer olhando em seus olhos, eu sei, mas...
Ele me beijou. No início doce como nunca até se perder na intensidade de nossos desejos. O sinal para voltar à sala tocou, mas isso não nos interrompeu. O mundo podia acabar que isso não nos interromperia.
Puxei sua camisa por seu pescoço a fora. Ele me olhou cauteloso, ainda ofegante. “Aqui? Assim? Tem certeza?”
“Eu te amo, Scott.” As palavras saíram, finalmente.
Ele me puxou para si novamente com seus beijos maravilhosos. Parou de repente.
“Não. Eu não posso.”
“O quê?” Exclamei.
“Não quero que a sua primeira vez seja num depósito velho de escola. Fico feliz que queira, mas a gente não precisa ter tanta pressa...” Deu um beijo na minha clavícula.
Minha primeira vez...
“Vamos voltar pra aula agora? Acho que você nunca matou aula na vida, não quero ser o culpado.” Riu. “Ei, vai passar rapidinho. Não faz essa cara...”
Forcei um sorriso.
Durante as aulas minha mente não vagava no milagre de ter me rendido ao Scott, mas sim em como eu o contaria sobre a minha noite com o Matheus. Tudo isso, porque o disse uma vez no mesmo depósito, quando ele ‘insistia’ em ir para o próximo passo, que eu era virgem.
Num mundo perfeito, onde eu não fosse tão idiota... onde ele não fosse tão idiota, teria sido assim. Uma noite romântica e a minha primeira vez com quem eu amava tão perdidamente.
Se o Scott já tinha surtado com o fato de eu estar namorando o Matheus, só nos vendo abraçados e de mãos dadas, imagina quando ele soubesse que compartilhei um momento tão especial da minha vida com outro?
Pensei em mentir. Podia fazer isso. Podia fingir. Seu orgulho não seria ferido e tudo ficaria bem, menos a minha consciência. Passei todas as aulas refletindo sobre isso e, então, decidi-me. Não iria esconder a verdade do Scott. Não era questão de poupá-lo, ou me poupar também - o que parecia a mesma coisa. Só não sabia quando teria a coragem de lhe confessar.
Mal levantei da cadeira para o segundo intervalo e o Scott já estava de prontidão ao me lado. Segurou firme na minha mão e não soltou mais. Perdi novamente a oportunidade de conversar com a Kate, mas isso tinha se tornado uma consciência distante. Todas as minhas prioridades eram o Scott. Decorar cada pedaço do seu rosto, suas expressões, seu movimentos, sua voz... Tudo sobre ele.
Passamos os intervalos entre os clubes também juntos. Era engraçado ver todos os olhares curiosos, uns surpresos, outros nem tanto, por me ver com o Scott.
“Tive uma ideia pra hoje.” Scott falou. “Me encontre na porta do dormitório daqui à uma hora.”
“Que ideia?”
“Surpresa.”
“Ok. Vou contar os segundos então.” Senti-me patética logo que disse, mas ele abriu um sorriso largo que me fez desejar ser patética mais vezes. O amor afeta mesmo as pessoas.
***
Já tinha passado meia hora do “daqui à uma hora” do Scott e nada dele aparecer. Mas eu já tinha esperado por ele muito mais. Esperei dias. Esperei semanas. Esperei meses. Esperei anos. Se eu dissesse que esperei por toda a minha vida, eu não mentiria; esperei sem ao menos saber que esperava.
E quando aquela figura apareceu com um buquê de rosas na mão, saí correndo em sua direção com a fome de toda uma vida. Ele estava mesmo de volta! E pra mim! Comigo! Pulei em seus braços, ele me segurou no colo, com minhas pernas ao redor do seu quadril.
“Mari...”
Arranquei-lhe um beijo sem fim.
“Quando dizem que rosas funcionam, não estão mentindo...”
Ri com ele. Soltei de seu colo, sem vontade, e reparei em suas roupas. “Pra onde vamos?”
“Pra onde você nunca mais vai querer sair...” Disse ao pé do meu ouvido.
Não pude evitar o espasmo do arrepio. Ele me mostrou seu sorriso rebelde.
“Tudo bem, Sr. Irresistível. Leve-me para o paraíso.” Brinquei, oferecendo-lhe minha mão.
Ele a pegou e beijou. “É exatamente pra lá que quero te levar.” Insinuou, deixando-me completamente envergonhada.
“Você fica ainda mais linda assim.” Soltou minha mão. “Só um segundo.” Sumiu da minha frente.
Ouvi o som de um motor e lá estava ele num carro prateado. Saiu do carro, abriu a porta e esperou que eu entrasse.
“Estou começando a ficar realmente curiosa... Pra onde está me levando?”
“Ainda não estava? Acho que vou dar mais voltas do que o necessário para te deixar curiosa por mais tempo, então.”
“Faça isso.” Ameacei.
Ele soltou uma gargalhada. “Como o seu mau humor me fez falta, minha rabugenta linda.”
Fingi me importar, mas me venceu ao dizer que sentiu minha falta...
Enquanto ele dirigia para vai-saber-onde, gostei da minha visão privilegiada.
Ele sorria, percebendo que eu o encarava. Mas nunca parecia o suficiente. Tinha sempre um detalhe novo em suas expressões... E o mais incrível era o simples fato de poder vê-lo.
“Pronto. Chegamos.” Scott anunciou, parando o carro.
Senti minha boca se abrindo com a visão.

21- Celular x Chave


Quando meus pais se dessem conta de que eu tinha saído de casa escondida e que ainda tive a capacidade de não voltar para casa antes que eles começassem a procurar por mim... Já podia visualizar grades e cadeados nas minhas janelas e portas.
Mas como eu podia negar tão pouco, como a minha presença, para Kate depois de tudo que ouvi? Era o mínimo que eu podia fazer por ela.
Expulsei todos de sua casa. Permanecendo apenas o Matheus que me ajudou com a arrumação. Ele não me perguntou o que conversamos em momento algum.
“Eu não queria ter te enganado, só que também não queria que passasse por aquilo...”
“Tudo bem, Math. Só não faça isso novamente, seja qual for a razão, por favor...”
Ele balançou a cabeça, ainda constrangido.
“Mas obrigada, por se preocupar comigo...”
Uma nova luz pousou em seu olhar.
“Consegue colocar a Kate na cama sem acordá-la?”
***
Vi quando o Matheus chegou no colégio na segunda-feira com um olho roxo e o lábio machucado.
“Meu Deus, Math! O que aconteceu?”
Ele abaixou o olhar. “Não foi nada. Desculpa, mas não quero falar sobre isso, Mari.”
“Tá. Mas você está bem?”
“É.” Disse sem vontade. “Vou pra aula, se não se importa.” E me deixou sozinha com milhões de perguntas.
Quando eu entrei na sala fiquei feliz, apenas por ver Scott lá no fundo da classe novamente. Seu olho roxo e cara emburrada me fizeram unir A à B.
“Viu quem está de volta? Ouvi dizer que ele voltou esse fim de semana... Apareceu na festa da Kate lá em Primavera.” Luan comentou assim que me sentei ao seu lado.
“Te contaram? Vocês ainda não se falaram?”
“Ele não parece num bom momento...”
O mau humor do meu querido idiota não era evidente só para mim.
Meu celular vibrou. Era uma mensagem de um número desconhecido.
Oi! É a Kate. Peguei o seu número do celular do Scott, espero que não se incomode. Viu o Matheus por aí hoje? Ele não responde as minhas chamadas...
Respondi: Sem problemas. Ele e o Scott andaram se batendo? Estou certa? O que aconteceu com eles? Vi o Matheus pouco antes de entrar na sala, mas ele está todo estranho (além do olho roxo), nem quis falar comigo.
Kate: Ah... Foi isso mesmo. Depois te explico direito, esses dois deram um showzinho no domingo lá em casa. Preciso falar com o Matheus, mas vou ter que esperar o intervalo. =/
Eu: Na sua casa? OO’
Ai, ai...
Kate: É... Matheus chegou em má hora e acabou ouvindo a minha conversa com o Scott, sobre a Colli e tudo mais. Agora ele também sabe.
Mas a briga foi por sua causa...
Eu: Minha causa?
Kate: Por que a surpresa? Eles eram amigos, Mariana...
Eu: Eu sei que errei...
Kate: Colli está aqui... no Brasil.
Eu: OO’
Kate: O maluco conseguiu convencer meus avôs a irem pra Primavera com a minha filha. Agora não sei mais o que fazer. Quero matar esse garoto!
Eu: Não sei como ainda não matou.
Kate: Pois é. A sorte dele é que estava morrendo de saudades da Colli. Mas agora é questão de tempo até toda essa história passear de boca em boca. E eu ainda nem me decidi...
Eu: Sabe que pode contar comigo, né? 
Kate: Obrigada, Mariana. =]
Agora vou deixar você prestar atenção na aula.
No primeiro intervalo tentei alcançar a Kate, saber direito o que estava acontecendo e ajudar como pudesse, mas a Camila me interrompeu.
“Você não precisa mais escrever sobre a ‘saída repentina’ do Scott, porque agora o tema é o seu ‘retorno repentino’... Mas não se preocupe que você não vai escrever essa. Se bem que não escreveu a anterior de qualquer forma... Enfim, acho que você pode ficar encarregada de distribuir os jornais, certo? Só passei pra te avisar. Bye!”
Sem direito de alguma resposta.
Entregar jornal? Isso era brincadeira, certo?
Liguei para o celular da Kate, para saber onde ela estava. Liguei uma, duas, três vezes e sempre caía na maldita caixa postal, até que fui atendida.
“Quando você liga pra alguém e não é atendida repetidas vezes isso não deveria significar alguma coisa? Estou tentando comer aqui.”
Um sorriso saiu sem permissão ao ouvir aquela voz. Como senti falta do meu amor ignorante...
“Cadê a Kate?”
Ele riu debochado. “Ainda não me acostumei com vocês duas tão próximas...”
“Eu fiz uma pergunta.”
“Foi se encontrar com o seu namoradinho.”
Consegui ver de longe o Scott sentado sozinho na mesa do refeitório.
“Você sabe que ele não é mais meu namorado e por que diabos ela deixou o celular dela com a sua excelência?”
“Esqueceu na sala.”
“Você é um mentiroso!”
“Não estou mentindo! Pra que eu iria...”
Interrompi. “Você não está comendo.”
Silêncio. Ele olhou ao redor, mas não me viu.
“Estava, antes de você me atrapalhar.”
“Mentiroso... Não tem nada na sua mesa.”
Ele voltou a procurar com mais cuidado. Escondi-me atrás da pilastra como uma criança arteira.
“Você não está aqui. Como sabe? Ou melhor... Onde está escondida?”
“Não preciso te ver pra saber quando está mentindo.” Que belo casal de mentirosos formávamos. “E estou no mesmo lugar onde costumávamos nos encontrar tantas vezes...”
Silêncio. Comecei a caminhar até o depósito.
“Mentirosa!”
“Claro que não, por que não vem conferir?”
“Não preciso te ver pra saber quando está mentindo. Você não tem a chave, quem tem sou eu.”
Gelei, o que eu ia fazer parada do lado de fora do depósito? “Isso é o que você pensa...” Continuei com a mentira.
“Ok. Estou indo aí te ver.” Desligou.
Meus olhos devem ter soltado da cara. Corri até a porta trancada, lutando inutilmente para abri-la. Um arrepio percorreu por todo o meu corpo quando senti uma mão puxar o meu braço com o mal jeito que só uma pessoa poderia usar comigo e me deixar contente... Por isso a surpresa foi decepcionante ao encontrar um jovem franzinho no lugar.
“Me mandaram te dar isso.” Um pedaço de papel com uma chave dentro.
Ele me conhecia àquele ponto... Destravei a porta.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

20- Ajudada x Ajudando

Fiquei imóvel, consciente de que ele estava indo embora...
Indo embora?! Pra onde? Por quanto tempo?
Eu teria corrido atrás dele por toda a noite e para onde quer que ele fosse. Matheus não me deixou dar um passo, segurando-me firme pela cintura, enquanto eu me debatia para sair.
“Desculpa, Mari, mas eu não posso te deixar ir...”
“Você sabia, não sabia?! E eu pensando que...” Mas quem disse que não era mesmo um encontro mais intimo entre a Kate e o Scott? “Oh meu Deus!” Senti meu corpo se desmanchando nos braços do Matheus. “Então era isso?”
“Matheus, larga a Mariana.” Kate se pronunciou, ainda da porta de seu quarto. “Venha, Mari... Deixa eu te contar o que aconteceu.”
Olhei para Kate, procurando qualquer sinal de que sobreviveria àquela conversa.
Assim que a porta foi fechada, não pude deixar de sentir meu estômago se revirar pensando em todas as vezes em que o Scott esteve sozinho naquele quarto com a Kate.
“Senta aí. Vai ser uma longa conversa.”
Fiz como ela pediu.
“Eu já bebi um bocado hoje, mas preciso de muito mais para perder o controle de minhas ações. Por isso não pense que não sei a gravidade do que vou te contar.”
Passaram milhares de possibilidades pela minha cabeça. A maioria envolvendo eles dois e nenhuma roupa.
“Eu fui estúpida o suficiente para contar ao Scott quem é o pai da minha filha. Consegui levar essa questão por bastante tempo sem problemas, porque ele acreditou em mim, quando eu disse que não sabia quem era o pai...”
“Você não tem que me contar, Kate.”
“Eu sei, Mariana, mas não posso esperar que você confie em mim, se eu não confiar em você.”
“Por que você quer ter uma relação de confiança comigo? Por que você se esforça tanto pra que eu e o Scott fiquemos juntos?”
Ela inspirou. “O Scott é o meu único amigo, Mariana. Eu não queria ter que me prender a ninguém de forma alguma, mas acabou sendo inevitável. Ele é importante pra mim, você é importante pra ele, então, você também é importante pra mim. É confuso, eu sei, mas acho que sentimentos não precisam de explicações, motivos nem sentido, então...”
Senti minha face corar diante daquela confissão.
“O pai da Colli é o nosso antigo diretor Ákyl.” Ela parecia quase tranquila ao dizer.
Não pensei que fosse ouvir o nome desse desgraçado novamente. Depois de tudo o que ele fez com a minha amiga Sally, mais essa...
“Contei pro Scott num momento de desespero. Esbarrei com o Ákyl lá no meio do nada onde eu estava morando com a Colli e meus avôs. Ákyl já sabia da Colli... Começou a perguntar sobre ela e quer vê-la. Chegou a me ameaçar. Dizer que iria encontrar a minha filha de qualquer jeito.”
Ela apertou seus lábios. “Falei com o Scott, ainda desesperada, por telefone. Dizendo que ia esconder a Colli e meus avôs e que voltaria para o colégio. Acabei contando o motivo... Não sei como ele não fez nenhuma estupidez na época.”
Tanta coisa que eu mal fazia ideia...
“Ele esteve por esse tempo atrás do Ákyl. Scott não quis me dizer o que fez para assustá-lo, mas garantiu que funcionou... Agora quer trazer a Colli para o Brasil.”
“Isso não é bom?” A discussão entre os dois não fazia sentido.
“Claro que não, Mariana. Não posso assumir a Colli assim... Fora que... E se o Ákyl quiser fazer algum mal ao Scott por isso? Esse menino é muito inconseqüente!”
Gelei com a ideia. “Mas... Se ele garantiu...”
“Não sei, Mari... Mas ele não deveria ter feito nada disso sem antes me consultar.” Kate bufou. “Talvez eu esteja exagerando também, mas tenho alguma razão... Ele faz todo um drama saindo do colégio do nada e voltando do nada também.”
Foi quando entendi a sua irritação...
“Mas ele está de volta agora, né...”
“E sobre isso... Não acho que ajudou muito ele ver você abraçada com o Matheus depois de todo esse tempo ausente. Matheus ainda tentou conversar com ele, mesmo sem conseguir mais do que uma resposta mal criada, ele contou que vocês já não estão mais juntos. Scott precisa superar isso... às vezes ele consegue ser pior do que uma criança.”
“Como você está, Kate?”
Ela ficou um pouco perdida com a minha pergunta. “Estou bem...” Mentiu descaradamente.
“Não sei o que faria no seu lugar... Você foi muito corajosa.”
“Não fui não, Mariana. Se você fizesse ideia de tudo o que se passa aqui dentro...” Ela colocou a mão sobre seu coração.
“Se arrepende?”
“Ah... Se me arrependo de ter dormido com o diretor e engravidado dele? Claro. Se me arrependo de ter deixado a Colli nascer? Não. Mas...”
“O quê?”
“Não nasci pra isso. Não sou boa mãe. E toda vez que olho pra ela, penso se não estou privando ela de um futuro feliz.”
“Não diga uma coisa dessas! Você é mãe. Já foi tão longe em tudo isso... Ela não poderia ter tido mãe melhor.”
Ela deu um sorriso torto. “Você pensa assim porque tem uma boa mãe. Eu... Não posso continuar com isso. Não posso ser como meus pais. Não posso amá-la o quanto ela merece e precisa, Mariana... Não é justo que ela cresça dessa forma. Não posso viver essa vida de papai e mamãe. Eu só queria que o Scott não fizesse com que eu me sentisse tão errada ao querer dá-la para um lar adotivo.”
“Isso não é da conta dele, Kate. Mas eu acho que você já é uma boa mãe.”
“Não adianta tentar explicar pra vocês. Mas eu só vou ser uma boa mãe, quando eu conseguir amá-la o suficiente para nunca mais...” Ela começou a chorar. “Eu preciso conseguir não ser egoísta!”
Fui até ela e a abracei. “Você não tem nada de egoísta, Kate...”
“Eu sou tão jovem e linda, Mariana! Não é justo! Não quero me casar! Não quero viver com a barriga no fogão cozinhando pra ninguém!”
“Kate...”
“Você tem que ver o sorriso da minha filha... Seus olhos grandes... Falta me deixar surda quando começa a chorar... E tudo isso... Faz com que eu queira estar lá por ela o tempo todo. Dançar, conhecer gente, parece uma coisa tão idiota quando sua mãozinha pequenina agarra meus cabelos. Mas eu não quero depois culpá-la por ter mudado meus planos por ela. Não quero fazer tudo o que me der vontade na vida e só me certificar de que ela continua viva em casa, sozinha ou enchendo a casa de estranhos. Não posso ser como eles...”
Meus problemas eram piadas diante de tudo aquilo. Kate chorava como uma criança nos meus ombros. E por mais que ela tivesse dito não estar bêbada eu não conseguia imaginá-la fazendo todas aquelas confissões para mim estando sóbria.
“Se você nunca tentar ser melhor do que eles, você nunca será.” Não foi algo assim que ela me disse antes?
“Eu tenho tanto medo...” Ela mal dizia, já quase adormecida.
Saí do sofá com cuidando, a inclinando sobre o mesmo. Eu peguei a coberta de sua cama e coloquei por cima dela no sofá. Kate pegou a minha mão. “Não me deixe só...” Pediu com seus olhos fechados.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

19- Vontade x Ação

Não tinha que me preocupar com meus pais, porque eles já tinham ido na frente para Primavera, deixando que eu fosse com as meninas mais tarde. Eles terem me permitido tão facilmente ter uma noite de garotas com minhas amigas só provava o quanto eu deveria estar parecendo péssima.
Dei uma olhada na sala, tentando achar minhas roupas. Já estava subindo as escadas quando vi pela janela da cozinha várias peças de roupas espalhadas na beira da piscina. Desci e fui catar minhas roupas.
Depois de limpa e vestida, resolvi que seria bom preparar um almoço para todos. Não demorou e todos acordaram sentindo o cheiro de comida.
Fiquei ainda menos preocupada sobre a noite anterior ao ver a tranquilidade no rosto da Yasmin.
Estávamos todos sentados ao redor da mesa com pratos cheios da mistura que fiz.
Sally deu um longo suspiro depois da primeira garfada. “Mari, tudo que você faz fica simplesmente maravilhoso!”
“Ela tem cara de quem faz comida boa mesmo.” Vítor.
Sally ergueu uma sobrancelha. “Como se existisse cara pra isso.”
“Claro que tem. Você não tem cara de quem cozinha bem... aposto que não cozinha bem.”
Sally que esteve radiante desde ter dado de cara com o Vítor seminu ao acordar, estava prestes a fulminá-lo apenas com o olhar. “Não se preocupe com isso, você nunca saberá.”
“Acertei...”
“Então...” Matheus deu fim à discussão. “Alguém tem ideia do que aconteceu ontem?”
“Eu tenho algumas idéias...” Kate sorria maliciosamente.
“Eu lembro de tudo.” Yasmin começou. “Vocês estavam assustadores na festa. Tudo começou com a Kate e a Sally dançando em cima da mesa.”
“Ah! Disso eu me lembro muito bem!” Vítor interrompeu.
“Aí vocês dois.” Yasmin apontou o Matheus e o Vítor. “Também entraram na brincadeira. E quando vi que vocês já estavam passando do ponto, achei melhor trazê-los para cá. Pularam na piscina e acabei sendo convencida a entrar também...” Suspirou.
“Precisamos repetir mais vezes.” Kate.
“Concordo!” Sally e Vítor disseram em coro e se olharam com desgosto logo em seguida.
“O que dizem de hoje à noite?” Kate.
“Vou estar em Primavera...”
“Eu e a Min também...” Sally.
“Nós também vamos.” Matheus.
“Então uma festa pode nos aguardar?” Kate.
Sally comemorou. “Claro! Já vou indo lá em casa pegar minhas coisas...”
“Não vai terminar de comer?”
“Tive uma ideia!” Sally. “Estamos indo todos para o mesmo lugar, que tal então irmos juntos?”
Todos se entreolharam.
“Boa ideia, garota!” Vítor.
“Eu sei, garoto...”
***
Estava me preparando mentalmente para descer pela varanda do meu quarto quando me deparei com o Matheus já me esperando lá embaixo, pronto para me chamar. Por um instante eu poderia ter dito ser o Scott. Matheus estava no mesmo lugar, com o mesmo gesto em que o Scott já esteve tentando me convencer a descer.
Alguém que só quisesse brincar com meus sentimentos teria ido tão longe? Teria dito aquelas três palavras com tanto desespero? Poderia ter um olhar tão triste ao ouvir meu não?
“Mari?” A voz do Matheus me trouxe de volta de meu devaneio. “Você está bem?”
“Na verdade não, Math. Acho que não vou mais.”
“Então eu vou ficar com você.”
“Não... Eu só preciso ficar sozinha um pouco.”
“Tem certeza? Porque não me incomodo.”
“Vou ficar bem. Vai lá pro pessoal e peça desculpa a todos por mim, por favor.”
Voltei para dentro do quarto. Peguei meu celular. Só então me dei conta de que não poderia ligar para o Scott, sem seu número; tinha deixado o papel dentro da gaveta do meu dormitório em Almerim...
“Mas que droga!”
Sentei na cama e respirei profundamente. Joguei meu corpo sobre a cama. A expressão desolada do Scott a me ver com o Matheus, atingiu-me em cheio. Com um movimento levantei da cama e já estava pendurada na grade da varanda.
Kate tinha o número do celular do Scott, certo? Então, ficaria tudo bem...
Já não tinha mais fôlego depois de tanto correr para chegar à casa da Kate, onde estava tendo a festa. Passei espremida pela multidão, procurando a Kate.
Vi o Matheus. “Math? Você sabe onde a Kate está?” Gritei, lutando contra a música alta.
A surpresa em seu olhar era maior do que esperava. “Ela está lá em cima, mas...”
“Obrigada.” Voltei meu caminho para alcançar o segundo andar.
Levei um susto quando senti a mão do Matheus tocando meus ombros antes que eu pudesse chegar ao quarto da Kate, no corredor.
“Não vá.”
“Ah!” Como não tinha pensando nisso antes? Afinal, por que diabos Kate estaria trancafiada em seu quarto com uma festona rolando em sua casa? “Ela não está sozinha...” Levei minha mão à testa.
“É...”
“Oh, Math...” Abracei meu amigo que estava nitidamente sofrendo.
“O que te fez mudar de ideia?”
“Mudar de ideia?”
“Você tinha dito que não vinha...”
“Ah! Eu só quero pedir algo à Kate. Não vou ficar.”
“Melhor deixar pra amanhã, não acha?”
Passei a mão em seus cabelos, ainda o abraçando. A música não era tão alta no andar de cima, por isso ouvi claramente o som da porta se abrindo com força demais logo atrás de mim.
“Esquece! Deveria ter previsto isso assim que vi o seu estado. Conversamos depois quando você estiver sóbria.”
Matheus afrouxou seus braços de mim no mesmo instante. Eu não precisei olhar para trás para saber que não estava louca, que não era uma alucinação. Meu coração tinha sumido juntamente com cada pedaço do meu corpo que eu já não conseguia sentir mais.
“Não venha me chamar de bêbada! Não pense que...” Kate gritou e parou abruptadamente.
Procurei forças para me virar apenas para ver o Scott já passando por mim, ignorando completamente a minha presença.
Poderia ele não ter me visto?
As lágrimas já desciam. Cada parte de mim comemorava poder vê-lo novamente.
Sim, eu o amo... Amo... Mais do que deveria e menos do que gostaria.
“Scott!” Chamei.
Ele continuou andando e dei mais dois passos em sua direção. “Scott! Eu quero falar com você!”
Scott parou e virou-se. Eu podia morrer naquele momento.
“Não. Você não quer conversar comigo, acredite. Só me esqueça.”
É... Eu realmente podia morrer naquele momento...