O calendário escolar estava impressionante; a melhor parte ficou com as viagens por todo o mundo. A nova direção do colégio estava fazendo valer as mensalidades altíssimas.
Primeira aula do ano. Turma 3A, primeira sala... Juntamente com o Scott Meyer e Kate James. A minha salvação era o Luan Barton também estar na minha turma.
Meu coração não iria parar de bater com tanta força até que eu estivesse longe o suficiente do Scott... Ele estava sentado na cadeira do fundo da sala. Seus olhos espremidos e seus lábios eram apenas uma linha fina enquanto ele sorria com vontade. Pareceu uma eternidade aquele tempo em que eu caminhava até uma das cadeiras da frente sem conseguir desviar o olhar daquele garoto. Outra eternidade quando nossos olhares se encontraram, Scott piscou pra mim, minha face ardeu.
Era uma boa coisa que durante as aulas ele ficasse longe do meu campo de visão. O ruim era ter que me conter o tempo inteiro para não disparar meus olhos nele.
“Primeiro dia de aula sempre me deixa ansioso.” Luan sorriu ao meu lado.
Ele era o único amigo homem que tive em toda a minha vida. Parecia que o nosso namoro tinha acontecido em outra vida. Era embaraçoso recordar desse tempo. Pensei que o que sentia por ele fosse paixão e talvez até tenha sido, mas quando eu comparava com o que senti pelo Scott desde a primeira vez em que o vi, parecia tão menos. Se eu não tivesse conhecido o Scott, provavelmente, estaria ainda namorando o Luan. Ele era exatamente o que sempre quis; tudo o que sempre sonhei em um namorado existia no Luan. Tínhamos tudo em comum, pensávamos de forma parecida, queríamos o mesmo futuro, e mesmo assim eu me pegava fazendo a mesma pergunta: Por que, então, as coisas tinham terminado daquele jeito?
“Também fico assim.” Respondi.
Scott deu um berro lá de trás. “Luan Barton!” Disse animado. “Vem cá, cara! Tem alguém que quero te apresentar.”
Virei juntamente com o Luan. A ruiva estava ao lado do Scott. Como não vi isso antes? Senti uma pontada aguda no peito quando vi o quão bem eles dois ficavam juntos. Era isso que mais me deixava irritada no final das contas, não era? Todas aquelas garotas lindas com quem ele saia sequer se comparavam a Kate... E eles sorriam e pareciam tão contentes juntos que meu coração desaparecia. Eu não deveria me sentir dessa forma se eu insistia tanto que ele seguisse sua vida sem mim.
Kate acenou para mim. Abri um sorriso sem dentes e forçado antes de dar as costas para o casal.
Luan não tinha a pele tão clara para que algum vermelhão nas bochechas dedurasse a sua vergonha, mas aquela cara de bobo que ele fez depois que viu a sardenta foi mais que o suficiente. Traidor duas vezes. Suspirei.
Nenhum comentário debochado do Scott, nenhuma provocação entre nós dois durante todas as aulas. Sempre que eu o olhava, ele me encarava de volta com um sorriso fácil e cheio de promessas. Por que eu sentia aquela vontade insana de chamar a atenção dele?
À tarde eu fui para o clube de jardinagem com o Luan. Uma hora inteira e Luan só tinha o corpo na sala. Acabei fazendo o trabalho para ele. No que ele tanto pensava?
“Você está bem, Luan?”
Ele disparou seus olhos claros e confusos na minha direção. “Desculpa, o que disse?”
“O que você tem? Esteve distante a aula toda...”
“Quer sair sexta-feira, Mari?” Do nada. Aquele convite simplesmente não combinava com o meu amigo.
“Ahm?”
Ele abaixou a cabeça, sem jeito. “Já tem planos?”
Minha vez de ficar sem jeito. “N-não...”
“Você não vai gostar da ideia, mas preciso de você.”
Esperei.
“Kate comentou que fazia tempo desde a última vez em que foi ao ClubMix lá em Primavera... Scott teve a ideia de que todos nós fossemos pra lá na sexta, depois das aulas.”
“Nós? Eu também? E desde quando você gosta de lugares assim?”
“Só pensei que seria legal...”
“Então vai com seus amigos. Não precisa de mim pra isso.”
“Eu não queria me sentir sozinho...”
“Por que você se sentiria assim, Luan? Se você acha que vai se sentir dessa forma, não é melhor não ir?”.
“Por favor, Mari. Eu nunca te peço favores.” Golpe baixo.
“E não tem como eu te convencer a mudar de ideia?”
Ele fez uma cara de cachorro sem dono que me fez odiá-lo por um instante. “Tudo bem, Luan!”
***
“Eles já devem estar chegando.” Luan se desculpava, depois de ver alguma coisa na minha expressão que o fez ficar ainda mais agitado. Eu não estava zangada por um atraso de dez minutos, eu estava... ansiosa.
Eu era a pior, sem dúvida, usando aquele vestido justo acima do joelho, tentando parecer atraente. Por que eu me importava tanto com tudo aquilo, afinal?
“Chegaram!” Luan comemorou ao meu lado.
Engoli em seco. Eu sabia que não deveria ter ido. Como eu conseguiria estar no mesmo lugar que aquele garoto com sorriso rebelde que sabia exatamente o poder que tinha sobre mim, sem me odiar por ser tão fraca? Scott estava especialmente bonito, talvez porque eu estivesse já desesperada por mais um beijo seu, ou talvez porque ele parecesse tão contente.
Luan já foi cheio de dentes e olhos brilhantes na direção da ruiva seminua. Kate estava com uma saia curtíssima e uma blusa com um decote enorme. E, sim... Quando ela não estava linda? Aff! Meu vestido era completamente sem graça perto daquilo. Scott estava bem ao lado da rebolante.
Cinco minutos lá dentro e eu iria embora. Luan nem perceberia mesmo, já que estava ocupado demais com os olhos no decote sardento.
Eu estava recriminando o Luan por encarar a falta de pano na Kate, mas meus olhos se perderam num feixe de peitoral definido antes de encontrar o dono daqueles ombros ossudos. Ele sorriu pra mim. Desejei morrer, antes que a vergonha me torturasse ainda mais. Vítor... Amigo do Scott.
Matheus parecia o menos idiota entre os três. Cabelo claro e liso que ele vivia tentando manter longe da testa com um gesto rápido com a mão direita. Na verdade, ele até parecia simpático quando me deu um sorriso.
“Está surda?!” Scott se materializou na minha frente com uma expressão severa no rosto.
“Espero que isso não seja comigo.”
Ele respirou fundo. “Estava te elogiando, mas não vou repetir. Vai entrar logo não?”
Ergui uma sobrancelha. “Imbecil!” Saí batendo o pé em direção a entrada do ClubMix. Palmas para mim, acabei de mostrar que meus pais têm toda a razão ao me verem como uma criança.
Senti um frio percorrer a minha espinha. “Você não gosta daqui. Por que veio?” Scott perguntou.
Porque você também viria e queria desesperadamente te ver e te impressionar a todo custo.
“Porque a sua queridinha enfeitiçou o meu amigo e parece que preciso estar aqui para presenciar o incrível momento da Kate de volta ao ClubMix.”
Ele me surpreendeu rindo. “Estou começando a apreciar o seu ciúme da Kate, sabia? Você fica uma gracinha...”
“Vai se ferrar, Scott!” Disparei.
“Pra já!” Suas mãos já estavam ao redor da minha cintura e a sua boca grudada na minha. Não fazíamos o menor sentido e isso mal parecia importar.
quarta-feira, 29 de junho de 2011
segunda-feira, 27 de junho de 2011
4- Planos x Realidade
“Queria que fosse...”
“E você deixou por isso mesmo?” Sally.
“Queria que eu batesse nele?”
“Você só pensa nisso?” Sally balançou a cabeça.
Suspirei. “Não quero deixar por isso mesmo, mas ainda não tive nenhuma ideia brilhante que não envolva violência.”
“Bem... Então você tem sorte por me ter.”
“Modesta...” Yasmin.
“Sincera.” Sally esfregou as mãos. “Por que você não faz o teste pra se tornar uma líder de torcida?”
“Brilhante, Sally!” Disse sem humor.
“Estou falando sério. Ele pensa que você é menos do que elas, então mostre que você é melhor. A seleção é em março. Imagina a cara dele quando te ver com o uniforme de líder de torcida!”
“Não sei não...”
“Você, pelo menos, tem condicionamento físico.” Yasmin.
“É! Você vive tendo esses treinos doidos com seu pai; vão ser úteis agora!”
“Era pra eu mostrar que sou melhor do que elas, não que estou no mesmo nível.”
“Mari, um passo de cada vez.”
“Não tenho ideia de como me preparar pra esse teste, fora que só vou ter um mês... isso é pouco.”
“Ok, então deixa o Scott ter razão em dizer que elas são melhores que você.”
Claro que não! “Vou precisar de ajuda...”
“Suas duas melhores amigas já foram animadoras...”
“Eu não tenho muita lembrança desse tempo.” Yasmin.
“A gente fazia isso no ginásio, Min...”
“Desculpa...”
“Tudo bem... Você pode dar apoio moral. Eu me enrolava nos passos, mas tenho a teoria...”
Revirei os olhos. “Estou feita!”
Mas Sally já tinha me convencido ao me fazer imaginar a expressão de bobo do Scott me vendo como uma líder de torcida. Agora só precisava encontrar alguma forma de fazer essa ideia maluca dar certo.
“Sally, não vou mais. Isso não faz o menor sentido. Não suporto essas garotas. Não tenho tempo nem humor pra isso. Vamos logo voltar.”
Ela segurou firme o meu pulso e com a outra mão pegou a maçaneta da porta. “Mari, péssima hora pra amarelar. Você entra nessa nem que seja pra depois torturar essas garotas com o seu humor.” Abriu a porta.
Era só uma inscrição para o teste, mas eu já me sentia ridícula.
Eu sabia que a ex-namorada do Scott, Luíza, era animadora, mas tive esperanças de não vê-la naquele momento. Claro que eu não poderia ter tido mais sorte ao ser encarada dos pés a cabeça por um sorriso debochado dela. E quem dentre elas já não tinha passado pelas mãos do Scott? O que eu estava fazendo ali?
Ideia mais sem sentido, que eu estava levando longe demais, quando assinei meu nome na lista de inscrição. A treinadora, pelo menos, não me fuzilou com os olhos nesse processo.
“Não vai se inscrever também?” Perguntei a Sally que parecia tão incomodada quanto eu naquele lugar.
“Não mesmo! Já tive o meu momento... Exclusivamente te dando apoio, Mari.”
Saí da sala sentindo os olhares nas minhas costas. Já que eu estava entrando nessa loucura, de forma alguma deixaria que elas tivessem razão ao acharem que eu não seria capaz.
“Sally, vai fazer alguma coisa agora?”
“Agora? Ah, não... nada importante, por quê?”
“Então vai me ajudar. Vou começar a treinar. Onde podemos fazer isso?”
“Pode ser lá em casa. Ainda temos algum tempo até o portão fechar.”
***
A casa da Sally estava muito silenciosa, o que era algo extremamente raro.
“Cadê o pessoal?”
“Meus primos estão na escola, ensaiando. Agora os meus tios...” Segui a Sally até a cozinha. “Hello!” Sua testa enrugou. “Alguém em casa? Não? Ninguém? Então posso colocar fogo nas coisas?”
“Sem fogo, por favor.”
Ela abriu um sorriso. “Acho que estamos sozinhas. Melhor assim.” Encolheu os ombros.
Abriu a geladeira, pegou uma jarra de suco e catou dois copos. “Podemos ensaiar lá nos fundos... Se bem que lá atrás ou na frente acaba sendo muito exposto de todo o jeito.” Empurrou um copo cheio de suco na minha direção. “Tem a garagem. Talvez eles tenham saído de carro, então vamos ter espaço de sobra.” Tomou uma golada do suco.
“É suco de quê?”
Sally encarou o copo, pensativa. “Sabe que nem sei?! Mas tem um gosto bom e ainda não caí dura no chão, então para de graça e bebe logo.”
“Não podemos fazer isso aqui na sala?”
“Vai dar um trabalho dos diabos. Afastar os móveis, depois colocar no lugar. Os meninos quando estão com pressa ensaiam na garagem.”
Os carros estavam na garagem, mas era bem espaçosa mesmo assim. Ouvimos um barulho e nos encaramos ao mesmo tempo.
“Você também ouviu isso?”
De novo.
“Vocês têm algum animal de estimação?”
“Não... Está vindo do Lamborghini Gallardo LP 560/4 Spyder.” Que palavrão foi esse? Apontou para o conversível azul piscina.
“Desde quando você entende assim de carro?”
“Não entendo. Levei uma vida para decorar esse nome, sempre quis uma situação em que pudesse dizer. Amo esse carro!”
Não tive tempo de bufar ou revirar meus olhos. Duas cabeleiras douradas se levantavam do banco revelando pele demais desnuda.
“Meu Senhor!” Sally soltou um berro.
O que a família da Sally tinha de louca tinha também de beleza. Perto deles eu precisava ficar me lembrando o tempo todo em não encarar, mas era tão difícil. Eles mal pareciam reais...
Foi quando senti meu pulso sendo arrastado para fora da garagem que percebi que estive aquele tempo todo com meu olhar preso nos sorrisos embaraçados dos tios da Sally.
“Cara, nessas horas eu queria ser cega. E logo no carro mais lindo do mundo... Se eu não conseguir apagar essa visão da minha mente socando a minha cabeça contra parede, juro que mato os dois.” Sally disse apoiada contra a porta com uma mão na testa.
Começamos a rir.
“É melhor a gente ir... Amanhã vemos algum lugar no colégio mesmo para ensaiar.”
Conseguimos permissão para usarmos uma sala vazia do ginásio. Não era espaçosa, mas, pelo menos, não tínhamos que nos preocupar com platéia ou cenas constrangedoras...
Sally como treinadora era inútil, mas era uma boa companhia. Eu me estressava, descontava nela, brigávamos e brigávamos, mas ela nunca me deixava. Acho que estava bom assim...
“E você deixou por isso mesmo?” Sally.
“Queria que eu batesse nele?”
“Você só pensa nisso?” Sally balançou a cabeça.
Suspirei. “Não quero deixar por isso mesmo, mas ainda não tive nenhuma ideia brilhante que não envolva violência.”
“Bem... Então você tem sorte por me ter.”
“Modesta...” Yasmin.
“Sincera.” Sally esfregou as mãos. “Por que você não faz o teste pra se tornar uma líder de torcida?”
“Brilhante, Sally!” Disse sem humor.
“Estou falando sério. Ele pensa que você é menos do que elas, então mostre que você é melhor. A seleção é em março. Imagina a cara dele quando te ver com o uniforme de líder de torcida!”
“Não sei não...”
“Você, pelo menos, tem condicionamento físico.” Yasmin.
“É! Você vive tendo esses treinos doidos com seu pai; vão ser úteis agora!”
“Era pra eu mostrar que sou melhor do que elas, não que estou no mesmo nível.”
“Mari, um passo de cada vez.”
“Não tenho ideia de como me preparar pra esse teste, fora que só vou ter um mês... isso é pouco.”
“Ok, então deixa o Scott ter razão em dizer que elas são melhores que você.”
Claro que não! “Vou precisar de ajuda...”
“Suas duas melhores amigas já foram animadoras...”
“Eu não tenho muita lembrança desse tempo.” Yasmin.
“A gente fazia isso no ginásio, Min...”
“Desculpa...”
“Tudo bem... Você pode dar apoio moral. Eu me enrolava nos passos, mas tenho a teoria...”
Revirei os olhos. “Estou feita!”
Mas Sally já tinha me convencido ao me fazer imaginar a expressão de bobo do Scott me vendo como uma líder de torcida. Agora só precisava encontrar alguma forma de fazer essa ideia maluca dar certo.
***
De frente àquela porta, de uma das salas do ginásio, o arrependimento me recobrou a razão.“Sally, não vou mais. Isso não faz o menor sentido. Não suporto essas garotas. Não tenho tempo nem humor pra isso. Vamos logo voltar.”
Ela segurou firme o meu pulso e com a outra mão pegou a maçaneta da porta. “Mari, péssima hora pra amarelar. Você entra nessa nem que seja pra depois torturar essas garotas com o seu humor.” Abriu a porta.
Era só uma inscrição para o teste, mas eu já me sentia ridícula.
Eu sabia que a ex-namorada do Scott, Luíza, era animadora, mas tive esperanças de não vê-la naquele momento. Claro que eu não poderia ter tido mais sorte ao ser encarada dos pés a cabeça por um sorriso debochado dela. E quem dentre elas já não tinha passado pelas mãos do Scott? O que eu estava fazendo ali?
Ideia mais sem sentido, que eu estava levando longe demais, quando assinei meu nome na lista de inscrição. A treinadora, pelo menos, não me fuzilou com os olhos nesse processo.
“Não vai se inscrever também?” Perguntei a Sally que parecia tão incomodada quanto eu naquele lugar.
“Não mesmo! Já tive o meu momento... Exclusivamente te dando apoio, Mari.”
Saí da sala sentindo os olhares nas minhas costas. Já que eu estava entrando nessa loucura, de forma alguma deixaria que elas tivessem razão ao acharem que eu não seria capaz.
“Sally, vai fazer alguma coisa agora?”
“Agora? Ah, não... nada importante, por quê?”
“Então vai me ajudar. Vou começar a treinar. Onde podemos fazer isso?”
“Pode ser lá em casa. Ainda temos algum tempo até o portão fechar.”
***
A casa da Sally estava muito silenciosa, o que era algo extremamente raro.
“Cadê o pessoal?”
“Meus primos estão na escola, ensaiando. Agora os meus tios...” Segui a Sally até a cozinha. “Hello!” Sua testa enrugou. “Alguém em casa? Não? Ninguém? Então posso colocar fogo nas coisas?”
“Sem fogo, por favor.”
Ela abriu um sorriso. “Acho que estamos sozinhas. Melhor assim.” Encolheu os ombros.
Abriu a geladeira, pegou uma jarra de suco e catou dois copos. “Podemos ensaiar lá nos fundos... Se bem que lá atrás ou na frente acaba sendo muito exposto de todo o jeito.” Empurrou um copo cheio de suco na minha direção. “Tem a garagem. Talvez eles tenham saído de carro, então vamos ter espaço de sobra.” Tomou uma golada do suco.
“É suco de quê?”
Sally encarou o copo, pensativa. “Sabe que nem sei?! Mas tem um gosto bom e ainda não caí dura no chão, então para de graça e bebe logo.”
“Não podemos fazer isso aqui na sala?”
“Vai dar um trabalho dos diabos. Afastar os móveis, depois colocar no lugar. Os meninos quando estão com pressa ensaiam na garagem.”
Os carros estavam na garagem, mas era bem espaçosa mesmo assim. Ouvimos um barulho e nos encaramos ao mesmo tempo.
“Você também ouviu isso?”
De novo.
“Vocês têm algum animal de estimação?”
“Não... Está vindo do Lamborghini Gallardo LP 560/4 Spyder.” Que palavrão foi esse? Apontou para o conversível azul piscina.
“Desde quando você entende assim de carro?”
“Não entendo. Levei uma vida para decorar esse nome, sempre quis uma situação em que pudesse dizer. Amo esse carro!”
Não tive tempo de bufar ou revirar meus olhos. Duas cabeleiras douradas se levantavam do banco revelando pele demais desnuda.
“Meu Senhor!” Sally soltou um berro.
O que a família da Sally tinha de louca tinha também de beleza. Perto deles eu precisava ficar me lembrando o tempo todo em não encarar, mas era tão difícil. Eles mal pareciam reais...
Foi quando senti meu pulso sendo arrastado para fora da garagem que percebi que estive aquele tempo todo com meu olhar preso nos sorrisos embaraçados dos tios da Sally.
“Cara, nessas horas eu queria ser cega. E logo no carro mais lindo do mundo... Se eu não conseguir apagar essa visão da minha mente socando a minha cabeça contra parede, juro que mato os dois.” Sally disse apoiada contra a porta com uma mão na testa.
Começamos a rir.
“É melhor a gente ir... Amanhã vemos algum lugar no colégio mesmo para ensaiar.”
Conseguimos permissão para usarmos uma sala vazia do ginásio. Não era espaçosa, mas, pelo menos, não tínhamos que nos preocupar com platéia ou cenas constrangedoras...
Sally como treinadora era inútil, mas era uma boa companhia. Eu me estressava, descontava nela, brigávamos e brigávamos, mas ela nunca me deixava. Acho que estava bom assim...
sexta-feira, 24 de junho de 2011
3- Elas x Eles
“Pela empolgação eu diria que algum homem.”
Yasmin soltou uma gargalhada. Sally fingiu se importar com uma risada sem humor. “Como eu estava falando... Não é que o Raffael também estava lá? Quais as chances?!”
“Nem me lembre disso...” Yasmin.
“Raffael?” Preferi guardar os comentários menos agradáveis só pra mim. “Se encontraram?”
“Yeah!” Ela bateu as mãos.
“Eu e a Talita fomos arrastada pra esse encontro também.” Yasmin.
“Foi!” Sally riu lembrando.
“Talita ficou com um primo dele.” Yasmin.
“E você quase ficou com o gordinho.” Sally riu ainda mais alto.
“Yasmin?”
“Foi.” Sally.
“Ah! Ele ficou irritado, mas eu tenho namorado, ué.” Emendou rapidamente. “E mesmo que não tivesse.”
“Foi tão lindo, Mari! Ele disse que me ama! Tem ideia do quanto esperei por isso?”
Não entendia o que a Sally tinha visto no Raffael. Se não bastasse ele a tratar como uma qualquer, ainda ficava dando esperanças para ela mesmo tendo uma namorada. E Sally se prestava a esse papel. Aff! Minha amiga merecia alguém que a desse valor e eu era a que menos podia dizer algo a respeito... Lembrei do rosto triste do Jack assistindo aos chiliques da Sally referentes ao Raffael. Será que ela não via o que estava bem ao lado? Ou seria eu que via demais?
“A namorada dele sabe disso?”
Seu sorriso desapareceu. “Não me lembre dessazinha.” Mas nasceu outro sorriso vitorioso. “Ele não está mais com a guete!”
“Mas também não está com você.” Yasmin lembrou.
Sally fez bico pra Yasmin, “Sim, mas...” Abaixou a voz, envergonhada. “O coração dele é meu.”
Levei a mão à testa ao mesmo tempo em que a Yasmin apertou os lábios.
“Vai! Podem rir de mim, sei que querem. Não me importo. Ele terminou os estudos e voltou a morar em Primavera, mas, assim que eu terminar os meus, também vou pra lá.”
“Ai, ai...”
Sally rosnou.
Mudei de assunto. “Então a Yasmin e o Derick estão em lua-de-mel de novo?”
Yasmin corou.
“Mais do que nunca! Minha tia está vendo a hora em que o Derick leva o resto de suas coisas lá pra casa da Mimi... Disse que vai começar a procurar um trabalho por aqui, enquanto trabalha num projeto misterioso.” Sally.
“Projeto misterioso?” Olhei pra Yasmin. “Sabe o que é, Min?”
“Não... Ele também não me diz.”
“A Rita e o Marcos não acham ruim que ele não vá pra faculdade?”
“Ah, não; meus tios são muito bacanas quanto às escolhas dos meus primos. Fora que o Derick nunca teve mesmo muito interesse em faculdade.”
“E você, Yasmin?”
“Eu o quê?”
“Você disse que está estudando... Pretende fazer algum curso depois?” Com a perda de memória de Yasmin, ela precisou deixar o Colégio Elite e passou a estudar em casa.
“Ah... Moda, decoração... O mesmo de sempre. E vocês?”
“Eu quero ser professora de português; no Elite.”
“Coitado dos alunos!” Sally.
“E você, maluca? Além do seu péssimo plano de ir juntar os trapos com o garoto que tem apelido feminino... Silvinha; como um garoto daquele tamanho tem um apelido desse?”
Sally revirou os olhos enquanto Yasmin tentava abafar uma risada.
“Já expliquei isso pra vocês... O sobrenome dele é Silva. Começou a jogar basquete desde muuuito novo e o treinador o chamava assim... Colou entre os amigos...”
“É, lembro disso, mas ele já cresceu muuuuito pra ainda ser chamado assim.”
“Eu ainda não sei bem o que fazer além disso.” Sally ignorou meu comentário. “Talvez eu leve à sério isso de atuar...”
“Já é o último ano...” Yasmin lembrou.
“Eu sei, mas ainda não me decidi. Quero fazer algo que realmente goste, sabe? Que me deixe sem fôlego, empolgada... Mas que também me sustente; não vou ter meu pai pro resto da vida.”
Finalmente, resolvemos chamar uma garçonete e fizemos nossos pedidos.
“Mas e você e o Scott, Mari? Tem uns boatos...” Sally.
“Que boatos?”
“De vocês dois juntos pelos corredores da escola. Que as brigas de vocês são só um disfarce...”
“Corredores? Claro que não!”
Sally e Yasmin estreitaram seus olhos na minha direção.
“Você não negou toda a história...” Yasmin.
Senti minha face esquentar.
“Ah! Sabia! Eu sinto essas coisas! Que se dane atuação! Talvez eu apenas devesse levar á sério meus poderes de vidência e começar um negócio com isso.” Sally.
“Foi um erro atrás do outro.”
“Você está tentando nos convencer disso ou a si própria?” Sally.
“Não estou tentando convencer ninguém, só...”
“Só está apaixonada pelo Scott.” Yasmin.
Olhei ao redor, procurando algum conhecido por perto, me certificando que ninguém tivesse ouvido.
“Mari, se gosta dele tanto, porque não ficam juntos? Ele queria, não queria? Se vocês conversarem, aposto que ele ainda quer.” Sally.
Suspirei. “Ele disse que quer namorar comigo... Ou queria. Não sei mais. Mas o que ele diz não se escreve.”
“E você recusou?” Sally soltou um grito com o meu silêncio. “Vou te matar! Eu sei que o Scott não é nenhum príncipe encantado, mas...” ela suspirou. “Ele é g-a-t-o! Tenho certeza que você já se deu conta disso.” Não era justo por isso que eu tanto sofria? “Fora que ele é totalmente charmoso, um idiota, mas charmoso... Não que eu sinta atração por ele nem nada, superei isso há mil anos atrás... E ele também nem tem mais feito nenhuma idiotice como nos velhos tempos... Ele quer algemas e isso não é só um milagre por ele ser um garoto, mas por ser Scott Meyer!” Sally se atropelava nas palavras. “Mari, eu te amo, mas você não é nenhuma flor do campo, né. Mas veja pelo lado bom, o Scott gosta de você do jeito que você é! Cara, o garoto te persegue desde quando? Dois anos já! Isso é charme, Mari? Você está querendo que ele fique correndo atrás de você pra ter certeza que ele te merece, é isso? Eu te entendo, mas tipo que dois anos são dois anos. Raffael não correu atrás de mim nem por um semestre e pulou pra outra. Se você não quer o Scott, avisa logo que vou ver se tenho alguma chance com ele...”
Apoio de amiga é tudo de bom. “Vá em frente. Aparentemente só precisa ser líder de torcida pra ganhar a aprovação dele, você já foi uma, não vai ser nada de outro mundo.”
“Kate de novo?”
“Não. Todas as líderes de torcida. Ele me comparou com elas e adivinha só quem é a sem graça da história?”
“Mentira!” As duas falaram ao mesmo tempo.
Meu orgulho ferido continuava a latejar.
Yasmin soltou uma gargalhada. Sally fingiu se importar com uma risada sem humor. “Como eu estava falando... Não é que o Raffael também estava lá? Quais as chances?!”
“Nem me lembre disso...” Yasmin.
“Raffael?” Preferi guardar os comentários menos agradáveis só pra mim. “Se encontraram?”
“Yeah!” Ela bateu as mãos.
“Eu e a Talita fomos arrastada pra esse encontro também.” Yasmin.
“Foi!” Sally riu lembrando.
“Talita ficou com um primo dele.” Yasmin.
“E você quase ficou com o gordinho.” Sally riu ainda mais alto.
“Yasmin?”
“Foi.” Sally.
“Ah! Ele ficou irritado, mas eu tenho namorado, ué.” Emendou rapidamente. “E mesmo que não tivesse.”
“Foi tão lindo, Mari! Ele disse que me ama! Tem ideia do quanto esperei por isso?”
Não entendia o que a Sally tinha visto no Raffael. Se não bastasse ele a tratar como uma qualquer, ainda ficava dando esperanças para ela mesmo tendo uma namorada. E Sally se prestava a esse papel. Aff! Minha amiga merecia alguém que a desse valor e eu era a que menos podia dizer algo a respeito... Lembrei do rosto triste do Jack assistindo aos chiliques da Sally referentes ao Raffael. Será que ela não via o que estava bem ao lado? Ou seria eu que via demais?
“A namorada dele sabe disso?”
Seu sorriso desapareceu. “Não me lembre dessazinha.” Mas nasceu outro sorriso vitorioso. “Ele não está mais com a guete!”
“Mas também não está com você.” Yasmin lembrou.
Sally fez bico pra Yasmin, “Sim, mas...” Abaixou a voz, envergonhada. “O coração dele é meu.”
Levei a mão à testa ao mesmo tempo em que a Yasmin apertou os lábios.
“Vai! Podem rir de mim, sei que querem. Não me importo. Ele terminou os estudos e voltou a morar em Primavera, mas, assim que eu terminar os meus, também vou pra lá.”
“Ai, ai...”
Sally rosnou.
Mudei de assunto. “Então a Yasmin e o Derick estão em lua-de-mel de novo?”
Yasmin corou.
“Mais do que nunca! Minha tia está vendo a hora em que o Derick leva o resto de suas coisas lá pra casa da Mimi... Disse que vai começar a procurar um trabalho por aqui, enquanto trabalha num projeto misterioso.” Sally.
“Projeto misterioso?” Olhei pra Yasmin. “Sabe o que é, Min?”
“Não... Ele também não me diz.”
“A Rita e o Marcos não acham ruim que ele não vá pra faculdade?”
“Ah, não; meus tios são muito bacanas quanto às escolhas dos meus primos. Fora que o Derick nunca teve mesmo muito interesse em faculdade.”
“E você, Yasmin?”
“Eu o quê?”
“Você disse que está estudando... Pretende fazer algum curso depois?” Com a perda de memória de Yasmin, ela precisou deixar o Colégio Elite e passou a estudar em casa.
“Ah... Moda, decoração... O mesmo de sempre. E vocês?”
“Eu quero ser professora de português; no Elite.”
“Coitado dos alunos!” Sally.
“E você, maluca? Além do seu péssimo plano de ir juntar os trapos com o garoto que tem apelido feminino... Silvinha; como um garoto daquele tamanho tem um apelido desse?”
Sally revirou os olhos enquanto Yasmin tentava abafar uma risada.
“Já expliquei isso pra vocês... O sobrenome dele é Silva. Começou a jogar basquete desde muuuito novo e o treinador o chamava assim... Colou entre os amigos...”
“É, lembro disso, mas ele já cresceu muuuuito pra ainda ser chamado assim.”
“Eu ainda não sei bem o que fazer além disso.” Sally ignorou meu comentário. “Talvez eu leve à sério isso de atuar...”
“Já é o último ano...” Yasmin lembrou.
“Eu sei, mas ainda não me decidi. Quero fazer algo que realmente goste, sabe? Que me deixe sem fôlego, empolgada... Mas que também me sustente; não vou ter meu pai pro resto da vida.”
Finalmente, resolvemos chamar uma garçonete e fizemos nossos pedidos.
“Mas e você e o Scott, Mari? Tem uns boatos...” Sally.
“Que boatos?”
“De vocês dois juntos pelos corredores da escola. Que as brigas de vocês são só um disfarce...”
“Corredores? Claro que não!”
Sally e Yasmin estreitaram seus olhos na minha direção.
“Você não negou toda a história...” Yasmin.
Senti minha face esquentar.
“Ah! Sabia! Eu sinto essas coisas! Que se dane atuação! Talvez eu apenas devesse levar á sério meus poderes de vidência e começar um negócio com isso.” Sally.
“Foi um erro atrás do outro.”
“Você está tentando nos convencer disso ou a si própria?” Sally.
“Não estou tentando convencer ninguém, só...”
“Só está apaixonada pelo Scott.” Yasmin.
Olhei ao redor, procurando algum conhecido por perto, me certificando que ninguém tivesse ouvido.
“Mari, se gosta dele tanto, porque não ficam juntos? Ele queria, não queria? Se vocês conversarem, aposto que ele ainda quer.” Sally.
Suspirei. “Ele disse que quer namorar comigo... Ou queria. Não sei mais. Mas o que ele diz não se escreve.”
“E você recusou?” Sally soltou um grito com o meu silêncio. “Vou te matar! Eu sei que o Scott não é nenhum príncipe encantado, mas...” ela suspirou. “Ele é g-a-t-o! Tenho certeza que você já se deu conta disso.” Não era justo por isso que eu tanto sofria? “Fora que ele é totalmente charmoso, um idiota, mas charmoso... Não que eu sinta atração por ele nem nada, superei isso há mil anos atrás... E ele também nem tem mais feito nenhuma idiotice como nos velhos tempos... Ele quer algemas e isso não é só um milagre por ele ser um garoto, mas por ser Scott Meyer!” Sally se atropelava nas palavras. “Mari, eu te amo, mas você não é nenhuma flor do campo, né. Mas veja pelo lado bom, o Scott gosta de você do jeito que você é! Cara, o garoto te persegue desde quando? Dois anos já! Isso é charme, Mari? Você está querendo que ele fique correndo atrás de você pra ter certeza que ele te merece, é isso? Eu te entendo, mas tipo que dois anos são dois anos. Raffael não correu atrás de mim nem por um semestre e pulou pra outra. Se você não quer o Scott, avisa logo que vou ver se tenho alguma chance com ele...”
Apoio de amiga é tudo de bom. “Vá em frente. Aparentemente só precisa ser líder de torcida pra ganhar a aprovação dele, você já foi uma, não vai ser nada de outro mundo.”
“Kate de novo?”
“Não. Todas as líderes de torcida. Ele me comparou com elas e adivinha só quem é a sem graça da história?”
“Mentira!” As duas falaram ao mesmo tempo.
Meu orgulho ferido continuava a latejar.
quarta-feira, 22 de junho de 2011
2- Elite x Narciso’s
“Escuta, Scott. O que aconteceu foi um erro, ok? Eu supero, você supera. Seguimos nossas vidas e pronto.”
“Já entendi.” Ele disse sem humor. “Você se acha superior a todo mundo, né? Você não é essa coisa toda não, Mari.” Ele deu uma olhada na mesa vazia das líderes de torcida. “A sua sorte é que nunca fui seletivo.”
Senti um nó na garganta apertar. Ele não precisava me falar sobre isso... Não sobre o que eu já tinha consciência o suficiente. Não sei de que lugar todos tiravam essa ideia idiota de que eu me achava superior a todos, quando eu me sentia num lugar tão contrário. Scott me dizendo só fazia com que eu quisesse me esmurrar ainda mais por me submeter àquele infeliz papel... Mesmo sabendo tão bem que era só mais uma que morria de amores por ele e que dentre todas eu era a que menos tinha chances de algum dia fazer aquele garoto lindo cair aos meus pés, era só ele aparecer para zombar de mim que eu cedia aos seus encantos sem um pingo de vergonha na cara. Mas a única coisa que eu não poderia fazer era me dar por vencida. Eu jamais daria esse gostinho a ele.
“Agora você vai me deixar em paz?” Notei o tom agudo na minha voz acompanhando o dele.
“Você diz isso, mas sei que me adora. Te esperei e dispensei todas te esperando. Você é muito orgulhosa. Se você vai insistir nessa resposta, que seja! Depois não apareça me xingando. Eu tentei e você sabe bem disso.” Seu sorriso brotou novamente. “Mas quando você quiser se divertir, tem meu número. Sei que você não vai resistir.” Deu uma piscada. “E não vou te negar esse prazer.” Saiu rindo.
Revirei os olhos. Que ódio! Queria matá-lo.
Encarei o prato na bancada e suspirei. Adeus, fome!
Bem feito pra mim. Ele esfregou na minha cara de novo que sou sem graça. Eu tinha ouvido certo, não tinha? Não era a primeira vez que ele me dizia isso, mas seria a última. Se ele não quer me deixar em paz e já que é guerra que ele quer... Ah! Ele engoliria cada palavra que disse.
E daí se eu não resistia? Eu disse que não queria, não disse? E desde que eu me lembre nunca fiquei correndo atrás dele.
Fui para o meu quarto com muita raiva. Eu sabia que de nada adiantaria tentar resistir; quantas vezes mais precisaria falhar pra ter certeza disso? Mas se eu pudesse ser melhor do que todas elas... Ele nunca mais diria ser louco por mim com aquela cara deslavada. Nunca mais brincaria com meus sentimentos. Nunca mais eu ouviria essas palavras dele pra logo depois vê-lo se derretendo por qualquer outra. Eu não fazia ideia de como faria com que ele se apaixonasse por mim, mas eu encontraria alguma forma... Suspirei.
Por que todas elas tinham que ser TÃO incrivelmente lindas e despreocupadas? A quem eu queria enganar? Nenhuma chance de que eu pudesse superá-las nisso.
Estudar e ignorar o Scott... só por mais um ano. Era só isso que eu precisava, mas a mesma força que insistia em que eu me perdesse em seus lábios estava me levando para um caminho ainda mais perigoso... E quando foi que resisti?
Se eu não tivesse visto aquele vulto ruivo no meu quarto, minha noite ainda teria tido chance de alguma salvação.
“Mariana...” A sardenta sorriu surpresa.
“Ah, que ótimo!” As palavras nada contentes acompanharam meus pensamentos.
Ela espremeu um sorriso, encarando algumas coisas espalhadas pela sua cama. Seu cabelo comprido estava amarrado de mau jeito, e por que isso a deixava ainda mais bonita? Se eu jogasse o meu cabelo assim, só pareceria que tinha acabado de sobreviver a uma explosão.
“O Scott tinha me avisado sobre o seu jeito adorável de ser. Vai ser um semestre bem divertido...” Senti a ironia em adorável, e divertido soou mais como uma ameaça.
Catei da minha mesa um papel. E lá estava:
Dormitório feminino. Zona sul. Quarto 8. Mariana Vasconcello e... Kate James.
O mesmo sorriso selvagem e presunçoso que vivia passeando pelo rosto do Scott estava estampado no da ruiva. Se eu sobrevivesse a um semestre inteiro de Kate James...
Cheguei quinze minutos antes do horário combinado, como o de costume. Sempre adorei o ambiente aconchegante naquela lanchonete. Parecia ter vindo de um daqueles filmes em preto e branco. Não era o lugar preferido do pessoal do colégio, mas era o do nosso grupo; o que fazia tudo perfeito.
Yasmin estava com o cabelo mais comprido, o castanho mal aparecia perdido entre as mechas loiras, ficou lindo nela. Ela veio na minha direção com seu sorriso tímido.
“Min! Você está linda!” Disse num abraço.
“Obrigada.” Olhou ao redor. “A doida ainda não chegou, não é?”
“Aquela ali não vai mudar nunca.”
“Não conseguem parar de falar de mim, né? Vocês me amam, só precisam aceitar isso.” A Sally disse entre risos, nos puxando para um abraço grupal.
“Nossa, Mari! Você emagreceu ainda mais... Quer sumir, é?” Sally disse sem conseguir puxar as minhas bochechas.
“É mesmo. Também notei.” Yasmin.
“E dizem que comida de vó é a melhor...” Rimos.
“E quando vocês vão cansar de Nova York, eheim?”
“Never, honey!” Sally disse prontamente.
“Lá foi muito divertido mesmo.” Yasmin disse mais distraída.
“Mimi não lembrava de ter ido lá, Mari, então demos uma de guias turísticos pra ela. Ela se enrolando no inglês foi o melhor!” Soltou uma gargalhada.
“Sally como guia turística é uma piada! Tinha que ver, Mari... ela se perdia mais do que eu!”
“Coitada da Yasmin dependendo dessa doida.”
Sally soltou uma risada sugestiva e Yasmin corou. Fiquei perdida.
“Quem disse que ela dependeu de mim, Mari? Essa safada perde a memória, mas não o assanhamento. Ela e o Derick cansaram de nos dar perdidos.” Não encontrei o típico ciúme deles dois no tom da Sally.
“Isso é a convivência com você, Sally.”
“E a escola, Mari; mudaram alguma coisa?” Yasmin perguntou, mudando o rumo da conversa.
“Ah! Vocês não vão acreditar no que aprontaram comigo esse semestre.” Comecei. “Kate James é minha nova colega de quarto.”
“Ah, não! Com quem me deixaram, então? Sacanagem! Será que não nos trocam de quartos se pedirmos?” No semestre passado eu dividia o quarto com a Sally.
“Vocês tinham me dito que ela não estava mais aqui...” Yasmin.
“Pois é... O fantasma ruivo está de volta. O bom é que ela quase não fica no quarto, então não tive que me preocupar muito com a convivência por essa semana. Mas quando começarem as aulas...” Suspirei.
“Kate é legal, Mari.” Sally queria apanhar?
“São amiguinhas agora?” Perguntei sem humor.
“Não... Mas fizemos um semestre de teatro juntas e tive a oportunidade de conhecê-la melhor. Ela me ajudou bastante lá.”
“Então podemos fazer uma festa de pijamas com todas nós juntas.” Ironizei.
“Ok, não está mais aqui quem falou...” Ela disse levantando as mãos.
“Ótimo!”
“Imagina quem encontrei nas férias?” Sally já estava empolgada outra vez.
“Já entendi.” Ele disse sem humor. “Você se acha superior a todo mundo, né? Você não é essa coisa toda não, Mari.” Ele deu uma olhada na mesa vazia das líderes de torcida. “A sua sorte é que nunca fui seletivo.”
Senti um nó na garganta apertar. Ele não precisava me falar sobre isso... Não sobre o que eu já tinha consciência o suficiente. Não sei de que lugar todos tiravam essa ideia idiota de que eu me achava superior a todos, quando eu me sentia num lugar tão contrário. Scott me dizendo só fazia com que eu quisesse me esmurrar ainda mais por me submeter àquele infeliz papel... Mesmo sabendo tão bem que era só mais uma que morria de amores por ele e que dentre todas eu era a que menos tinha chances de algum dia fazer aquele garoto lindo cair aos meus pés, era só ele aparecer para zombar de mim que eu cedia aos seus encantos sem um pingo de vergonha na cara. Mas a única coisa que eu não poderia fazer era me dar por vencida. Eu jamais daria esse gostinho a ele.
“Agora você vai me deixar em paz?” Notei o tom agudo na minha voz acompanhando o dele.
“Você diz isso, mas sei que me adora. Te esperei e dispensei todas te esperando. Você é muito orgulhosa. Se você vai insistir nessa resposta, que seja! Depois não apareça me xingando. Eu tentei e você sabe bem disso.” Seu sorriso brotou novamente. “Mas quando você quiser se divertir, tem meu número. Sei que você não vai resistir.” Deu uma piscada. “E não vou te negar esse prazer.” Saiu rindo.
Revirei os olhos. Que ódio! Queria matá-lo.
Encarei o prato na bancada e suspirei. Adeus, fome!
Bem feito pra mim. Ele esfregou na minha cara de novo que sou sem graça. Eu tinha ouvido certo, não tinha? Não era a primeira vez que ele me dizia isso, mas seria a última. Se ele não quer me deixar em paz e já que é guerra que ele quer... Ah! Ele engoliria cada palavra que disse.
E daí se eu não resistia? Eu disse que não queria, não disse? E desde que eu me lembre nunca fiquei correndo atrás dele.
Fui para o meu quarto com muita raiva. Eu sabia que de nada adiantaria tentar resistir; quantas vezes mais precisaria falhar pra ter certeza disso? Mas se eu pudesse ser melhor do que todas elas... Ele nunca mais diria ser louco por mim com aquela cara deslavada. Nunca mais brincaria com meus sentimentos. Nunca mais eu ouviria essas palavras dele pra logo depois vê-lo se derretendo por qualquer outra. Eu não fazia ideia de como faria com que ele se apaixonasse por mim, mas eu encontraria alguma forma... Suspirei.
Por que todas elas tinham que ser TÃO incrivelmente lindas e despreocupadas? A quem eu queria enganar? Nenhuma chance de que eu pudesse superá-las nisso.
Estudar e ignorar o Scott... só por mais um ano. Era só isso que eu precisava, mas a mesma força que insistia em que eu me perdesse em seus lábios estava me levando para um caminho ainda mais perigoso... E quando foi que resisti?
Se eu não tivesse visto aquele vulto ruivo no meu quarto, minha noite ainda teria tido chance de alguma salvação.
“Mariana...” A sardenta sorriu surpresa.
“Ah, que ótimo!” As palavras nada contentes acompanharam meus pensamentos.
Ela espremeu um sorriso, encarando algumas coisas espalhadas pela sua cama. Seu cabelo comprido estava amarrado de mau jeito, e por que isso a deixava ainda mais bonita? Se eu jogasse o meu cabelo assim, só pareceria que tinha acabado de sobreviver a uma explosão.
“O Scott tinha me avisado sobre o seu jeito adorável de ser. Vai ser um semestre bem divertido...” Senti a ironia em adorável, e divertido soou mais como uma ameaça.
Catei da minha mesa um papel. E lá estava:
Dormitório feminino. Zona sul. Quarto 8. Mariana Vasconcello e... Kate James.
O mesmo sorriso selvagem e presunçoso que vivia passeando pelo rosto do Scott estava estampado no da ruiva. Se eu sobrevivesse a um semestre inteiro de Kate James...
***
Uma semana depois de voltar à escola, minhas amigas voltaram do exterior. Marcamos um encontro de meninas no Narciso’s à noite.Cheguei quinze minutos antes do horário combinado, como o de costume. Sempre adorei o ambiente aconchegante naquela lanchonete. Parecia ter vindo de um daqueles filmes em preto e branco. Não era o lugar preferido do pessoal do colégio, mas era o do nosso grupo; o que fazia tudo perfeito.
Yasmin estava com o cabelo mais comprido, o castanho mal aparecia perdido entre as mechas loiras, ficou lindo nela. Ela veio na minha direção com seu sorriso tímido.
“Min! Você está linda!” Disse num abraço.
“Obrigada.” Olhou ao redor. “A doida ainda não chegou, não é?”
“Aquela ali não vai mudar nunca.”
“Não conseguem parar de falar de mim, né? Vocês me amam, só precisam aceitar isso.” A Sally disse entre risos, nos puxando para um abraço grupal.
“Nossa, Mari! Você emagreceu ainda mais... Quer sumir, é?” Sally disse sem conseguir puxar as minhas bochechas.
“É mesmo. Também notei.” Yasmin.
“E dizem que comida de vó é a melhor...” Rimos.
“E quando vocês vão cansar de Nova York, eheim?”
“Never, honey!” Sally disse prontamente.
“Lá foi muito divertido mesmo.” Yasmin disse mais distraída.
“Mimi não lembrava de ter ido lá, Mari, então demos uma de guias turísticos pra ela. Ela se enrolando no inglês foi o melhor!” Soltou uma gargalhada.
“Sally como guia turística é uma piada! Tinha que ver, Mari... ela se perdia mais do que eu!”
“Coitada da Yasmin dependendo dessa doida.”
Sally soltou uma risada sugestiva e Yasmin corou. Fiquei perdida.
“Quem disse que ela dependeu de mim, Mari? Essa safada perde a memória, mas não o assanhamento. Ela e o Derick cansaram de nos dar perdidos.” Não encontrei o típico ciúme deles dois no tom da Sally.
“Isso é a convivência com você, Sally.”
“E a escola, Mari; mudaram alguma coisa?” Yasmin perguntou, mudando o rumo da conversa.
“Ah! Vocês não vão acreditar no que aprontaram comigo esse semestre.” Comecei. “Kate James é minha nova colega de quarto.”
“Ah, não! Com quem me deixaram, então? Sacanagem! Será que não nos trocam de quartos se pedirmos?” No semestre passado eu dividia o quarto com a Sally.
“Vocês tinham me dito que ela não estava mais aqui...” Yasmin.
“Pois é... O fantasma ruivo está de volta. O bom é que ela quase não fica no quarto, então não tive que me preocupar muito com a convivência por essa semana. Mas quando começarem as aulas...” Suspirei.
“Kate é legal, Mari.” Sally queria apanhar?
“São amiguinhas agora?” Perguntei sem humor.
“Não... Mas fizemos um semestre de teatro juntas e tive a oportunidade de conhecê-la melhor. Ela me ajudou bastante lá.”
“Então podemos fazer uma festa de pijamas com todas nós juntas.” Ironizei.
“Ok, não está mais aqui quem falou...” Ela disse levantando as mãos.
“Ótimo!”
“Imagina quem encontrei nas férias?” Sally já estava empolgada outra vez.
segunda-feira, 20 de junho de 2011
1- Ela x Ele
Já estava escurecendo; só notei quando senti dificuldade em continuar minha leitura. Suspirei. Poder me isolar no meio do campo com algum livro era o que eu mais amava em passar as férias na fazenda dos meus avôs. Insisti um pouco em continuar lendo.
“Ele está sempre, sempre, no meu pensamento. Não por prazer, tal como eu não sou um prazer para mim própria, mas como parte de mim mesma, como eu própria.” Emily Brontë – O Morro dos Ventos Uivantes.
Já tinha perdido as contas das vezes em que li aquele livro. Simplesmente amava. Tantos livros separados esperando que eu os lesse, mas era só bater os olhos em Morro dos Ventos Uivantes e não conseguia resistir a lê-lo novamente.
Eu entendia melhor do que desejava o que a Cathy queria dizer naquele trecho do livro.
Nem mesmo meu casaco poderia contra o frio que fazia naquele campo ao final da tarde. Ainda tinha uma boa caminhada até o meu quarto na fazenda.
Encontrei a minha mãe colocando comida na mesa, e a julgar pela quantidade ela esperava um batalhão. “Onde você estava, Mariana? Você podia ter me ajudado a preparar a janta; já estou servindo. E a Yasmin ligou procurando por você.”
“Desculpa. Estava pelo campo.”
“Ah, deixe a minha neta, Myrian. A culpa de ficar atarefada é sua mesma, fica insistindo em fazer comida e ainda faz essa tonelada... Os empregados que agradecem a folga da cozinha quando você está aqui.”
“Não estou brigando com ela, mãe. Só acho perigoso ficar até tarde por aí. Olha o tamanho desse lugar... Eu fico preocupada.”
“Ah, está bem, Myrian. Chega de conversa furada. Estou faminta!”
“Mariana, vá chamar o seu pai e lave as mãos para jantarmos.” Minha mãe podia dar a ordem que fosse, mas sempre tinha aquele tom doce na voz.
“Isso, Mariana, vá chamar o anti-social do seu pai.” Minha vó não perdia uma oportunidade de implicar com o meu pai.
“Mãe...” Minha mãe pediu.
“Tá! Não vou dirigir a palavra a esse trast... adorável do seu marido, querida. É a penúltima noite de vocês aqui, posso aturar a presença dele em prol da saudade que já começo a sentir da minha netinha querida que-não-vai-seguir-o-mesmo-caminho-que-a-sua-mãe-se-casando-com-um-desqualificado...” Minha vó alisou meu rosto.
“Ah, não, mãe. De novo não. Se ele ouvir isso, vão começar a discutir novamente. Vocês nunca se cansam? Por Deus!”
“Isso só prova o quanto falta bom senso a ele. Discutir com uma senhora na minha idade é uma tremenda falta de respeito e você sequer se importa, filha...”
“Mãe... Vocês se comportam como duas crianças. Chega de drama e venha se sentar que já coloquei seu prato na mesa.” Minha mãe se virou para mim. “E você vá logo chamar seu pai... E não esqueça de lavar as mãos.”
Revirei os olhos. “Dezessete anos, mãe...” Lembrei-a da minha idade, falando devagar, enquanto ia atrás do meu pai.
Encontrei meu pai nos fundos da casa, com um machado na mão e tocos de madeira espalhados aos pedaços pelo chão.
“Pai, mamãe já está servindo a janta. Estamos te esperando.”
“Oh, filha. Não te vi aí.” Disse enxugando gotas grossas de suor que lhe desciam a testa.
“Não está um pouco tarde pra cortar lenha, pai?”
“Só vou empilhar esses aqui com o restante e estarei na mesa em um segundo.”
“Vovó te deixa mesmo estressado, não é, pai?”
Ele me deu um sorriso cheio de dentes. “É melhor você ir na frente. Não vou demorar.”
A verdade é que minha vó nunca aceitou bem o fato da minha mãe ter escolhido o meu pai – filho de um empregado da fazenda dos meus avôs – ao invés de todos os outros, renomados e de futuro promissor nos negócios, pretendentes. A rixa deles agora era mais uma forma de dizer “Não vou dar o braço a torcer”. Eles se gostavam, só que, pelo visto, nunca iriam admitir isso.
Meu pai detestava discutir com a minha vó na minha frente e na frente da minha mãe, mas minha vó, sabendo disso, aproveitava cada oportunidade. Eles tinham as discussões mais bobas do mundo, como minha mãe dizia “Duas crianças”.
Ainda faltavam duas semanas para o fim das férias escolares, mas retornei ao colégio mesmo assim. Queria estudar o quanto pudesse para o vestibular no final do ano.
Depois de terminar de arrumar as minhas coisas no meu quarto, estava faminta. Mal tive tempo de observar o calendário escolar ou dar uma espiada nos nomes dos meus colegas de classe nem mesmo ver com quem dividiria o quarto.
Fui até o refeitório. Ele foi o primeiro rosto que vi e o único; era sempre assim. Eu odiava o gelo profundo que isso causava no meu estômago. Fingi não ter notado que ele sorriu deslumbrante ao me ver. O que logo ele estava fazendo no colégio em plenas férias? Caminhei até a comida.
Eu e o Scott éramos água e fogo, yin-yang, tigre e dragão, céu e inferno; essas combinações não terminavam bem. Despertávamos o pior no outro. Queria fazê-lo sumir e pelas faíscas em seus olhos eu sabia que ele também queria que eu sumisse. Isso não era sadio, era insano... horrível. Eu fiz de tudo para manter-me longe dele. Usei as desculpas mais confusas para isso e ainda assim... Era só sentir aquela respiração abafada no meu pescoço que eu não resistia. Por que ele não fingia que eu não existia também?
“Vou fazer de conta que não vi você me ignorar completamente agora há pouco, só porque estou feliz por te ver novamente.” Se eu já não conhecesse bem demais aquela voz e aquela maneira presunçosa de falar, o arrepio pelo meu corpo teria me avisado.
Não o encarei, tentei me concentrar em pegar um prato e falar ao mesmo tempo. Com ele colado na minha nuca eu mal lembrava o meu nome. “Só estava tentando não estragar o meu dia, o que não adiantou.”
Eu quase podia ver o sorriso rebelde nascendo em seu rosto. “Se você parar de brincar com esse prato, nós podemos ir pro depósito e estragarmos o dia um do outro.” Ele insinuou, passou uma mão no meu cabelo e eu afastei.
“NÓS não vamos para lugar nenhum, Scott. EU vou almoçar e VOCÊ vai voltar pra onde estava.”
“Mari, precisamos conversar sobre o que está acontecendo com a gente.” Ele disse cansado.
“Nós não nos suportamos, aposto que o colégio inteiro já sabe disso, Scott. Não precisamos conversar sobre o óbvio.”
Ele forçou uma risada. “Péssima tentativa de ser engraçada, Mariana. Porque mesmo sendo óbvio o que fazemos trancados no depó...”
“Ei! Shi!” Soltei o prato na bancada e voei minhas mãos para tapar a sua boca, que tirei assim que vi seu olhar divertido. “Alguém pode ouvir; ficou louco?” falei muito baixo. “Passei as férias inteiras tentando esquecer essa tragédia.”
Ele revirou os olhos. “Por que você se faz de tão difícil, Mari? Não podemos namorar como todo casal apaixonado normal faz?” O que nós dois tínhamos de normal mesmo? E ele não se cansava de me torturar?
Falam que opostos se atraem e que se completam, mas ninguém fala sobre o eterno desentendimento entre essas forças.
“Ele está sempre, sempre, no meu pensamento. Não por prazer, tal como eu não sou um prazer para mim própria, mas como parte de mim mesma, como eu própria.” Emily Brontë – O Morro dos Ventos Uivantes.
Já tinha perdido as contas das vezes em que li aquele livro. Simplesmente amava. Tantos livros separados esperando que eu os lesse, mas era só bater os olhos em Morro dos Ventos Uivantes e não conseguia resistir a lê-lo novamente.
Eu entendia melhor do que desejava o que a Cathy queria dizer naquele trecho do livro.
Nem mesmo meu casaco poderia contra o frio que fazia naquele campo ao final da tarde. Ainda tinha uma boa caminhada até o meu quarto na fazenda.
Encontrei a minha mãe colocando comida na mesa, e a julgar pela quantidade ela esperava um batalhão. “Onde você estava, Mariana? Você podia ter me ajudado a preparar a janta; já estou servindo. E a Yasmin ligou procurando por você.”
“Desculpa. Estava pelo campo.”
“Ah, deixe a minha neta, Myrian. A culpa de ficar atarefada é sua mesma, fica insistindo em fazer comida e ainda faz essa tonelada... Os empregados que agradecem a folga da cozinha quando você está aqui.”
“Não estou brigando com ela, mãe. Só acho perigoso ficar até tarde por aí. Olha o tamanho desse lugar... Eu fico preocupada.”
“Ah, está bem, Myrian. Chega de conversa furada. Estou faminta!”
“Mariana, vá chamar o seu pai e lave as mãos para jantarmos.” Minha mãe podia dar a ordem que fosse, mas sempre tinha aquele tom doce na voz.
“Isso, Mariana, vá chamar o anti-social do seu pai.” Minha vó não perdia uma oportunidade de implicar com o meu pai.
“Mãe...” Minha mãe pediu.
“Tá! Não vou dirigir a palavra a esse trast... adorável do seu marido, querida. É a penúltima noite de vocês aqui, posso aturar a presença dele em prol da saudade que já começo a sentir da minha netinha querida que-não-vai-seguir-o-mesmo-caminho-que-a-sua-mãe-se-casando-com-um-desqualificado...” Minha vó alisou meu rosto.
“Ah, não, mãe. De novo não. Se ele ouvir isso, vão começar a discutir novamente. Vocês nunca se cansam? Por Deus!”
“Isso só prova o quanto falta bom senso a ele. Discutir com uma senhora na minha idade é uma tremenda falta de respeito e você sequer se importa, filha...”
“Mãe... Vocês se comportam como duas crianças. Chega de drama e venha se sentar que já coloquei seu prato na mesa.” Minha mãe se virou para mim. “E você vá logo chamar seu pai... E não esqueça de lavar as mãos.”
Revirei os olhos. “Dezessete anos, mãe...” Lembrei-a da minha idade, falando devagar, enquanto ia atrás do meu pai.
Encontrei meu pai nos fundos da casa, com um machado na mão e tocos de madeira espalhados aos pedaços pelo chão.
“Pai, mamãe já está servindo a janta. Estamos te esperando.”
“Oh, filha. Não te vi aí.” Disse enxugando gotas grossas de suor que lhe desciam a testa.
“Não está um pouco tarde pra cortar lenha, pai?”
“Só vou empilhar esses aqui com o restante e estarei na mesa em um segundo.”
“Vovó te deixa mesmo estressado, não é, pai?”
Ele me deu um sorriso cheio de dentes. “É melhor você ir na frente. Não vou demorar.”
A verdade é que minha vó nunca aceitou bem o fato da minha mãe ter escolhido o meu pai – filho de um empregado da fazenda dos meus avôs – ao invés de todos os outros, renomados e de futuro promissor nos negócios, pretendentes. A rixa deles agora era mais uma forma de dizer “Não vou dar o braço a torcer”. Eles se gostavam, só que, pelo visto, nunca iriam admitir isso.
Meu pai detestava discutir com a minha vó na minha frente e na frente da minha mãe, mas minha vó, sabendo disso, aproveitava cada oportunidade. Eles tinham as discussões mais bobas do mundo, como minha mãe dizia “Duas crianças”.
***
Era meu último ano escolar; pensar nisso me deixava agitada. Estudar naquele colégio foi o melhor presente que minha vó poderia ter me dado - meus pais por si mesmos não teriam como pagar as mensalidades absurdas. Colégio Elite era uma maravilha em qualquer currículo. E ali estava eu, concluindo um sonho.Ainda faltavam duas semanas para o fim das férias escolares, mas retornei ao colégio mesmo assim. Queria estudar o quanto pudesse para o vestibular no final do ano.
Depois de terminar de arrumar as minhas coisas no meu quarto, estava faminta. Mal tive tempo de observar o calendário escolar ou dar uma espiada nos nomes dos meus colegas de classe nem mesmo ver com quem dividiria o quarto.
Fui até o refeitório. Ele foi o primeiro rosto que vi e o único; era sempre assim. Eu odiava o gelo profundo que isso causava no meu estômago. Fingi não ter notado que ele sorriu deslumbrante ao me ver. O que logo ele estava fazendo no colégio em plenas férias? Caminhei até a comida.
Eu e o Scott éramos água e fogo, yin-yang, tigre e dragão, céu e inferno; essas combinações não terminavam bem. Despertávamos o pior no outro. Queria fazê-lo sumir e pelas faíscas em seus olhos eu sabia que ele também queria que eu sumisse. Isso não era sadio, era insano... horrível. Eu fiz de tudo para manter-me longe dele. Usei as desculpas mais confusas para isso e ainda assim... Era só sentir aquela respiração abafada no meu pescoço que eu não resistia. Por que ele não fingia que eu não existia também?
“Vou fazer de conta que não vi você me ignorar completamente agora há pouco, só porque estou feliz por te ver novamente.” Se eu já não conhecesse bem demais aquela voz e aquela maneira presunçosa de falar, o arrepio pelo meu corpo teria me avisado.
Não o encarei, tentei me concentrar em pegar um prato e falar ao mesmo tempo. Com ele colado na minha nuca eu mal lembrava o meu nome. “Só estava tentando não estragar o meu dia, o que não adiantou.”
Eu quase podia ver o sorriso rebelde nascendo em seu rosto. “Se você parar de brincar com esse prato, nós podemos ir pro depósito e estragarmos o dia um do outro.” Ele insinuou, passou uma mão no meu cabelo e eu afastei.
“NÓS não vamos para lugar nenhum, Scott. EU vou almoçar e VOCÊ vai voltar pra onde estava.”
“Mari, precisamos conversar sobre o que está acontecendo com a gente.” Ele disse cansado.
“Nós não nos suportamos, aposto que o colégio inteiro já sabe disso, Scott. Não precisamos conversar sobre o óbvio.”
Ele forçou uma risada. “Péssima tentativa de ser engraçada, Mariana. Porque mesmo sendo óbvio o que fazemos trancados no depó...”
“Ei! Shi!” Soltei o prato na bancada e voei minhas mãos para tapar a sua boca, que tirei assim que vi seu olhar divertido. “Alguém pode ouvir; ficou louco?” falei muito baixo. “Passei as férias inteiras tentando esquecer essa tragédia.”
Ele revirou os olhos. “Por que você se faz de tão difícil, Mari? Não podemos namorar como todo casal apaixonado normal faz?” O que nós dois tínhamos de normal mesmo? E ele não se cansava de me torturar?
Falam que opostos se atraem e que se completam, mas ninguém fala sobre o eterno desentendimento entre essas forças.
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