“Você vai ficar. Para com isso, vai acabar se machucando. Já disse que vou sozinho.” Scott berrava de volta para a Kate.
Matheus chegou até eles antes de mim. “Abre essa porta que você não vai sozinho.”
“Você precisa ficar pra cuidar delas.”
“Não preciso de uma babá. Ela é minha filha e eu vou.”
“Scott...” Disse sem fôlego mais pelo medo de que o Scott partisse sozinho do que pela corrida.
Ele encontrou meus olhos e sua expressão mudou. “Tudo bem. Entrem logo.”
***
Assistíamos todos a uma partida de basquete no colégio. Scott era de longe o melhor. Seus movimentos eram perfeitos; eu não precisava entender do jogo para afirmar isso. Ele era tão brilhante em tudo o que fazia, em qualquer lugar... Era sempre o que mais chamava atenção.
Em cada cesta ele fazia questão de mandar um beijo apontando pra mim. Como era exibido... E por mais vergonha que eu sentisse, sentia igualmente satisfação. Eu imaginava se meu coração não iria parar de vez numa daquelas horas.
Assim que o jogo terminou, dando fim ao campeonato em que o time da nossa escola ganhou, eu só conseguia ver o Scott no meio de toda aquela multidão alvoroçada. Saí em sua direção, pulei em seus braços que já me aguardavam abertos.
“Você é lindo, Scott!”
“O quê?”
“Eu te amo!”
***
Aconteceu tão rápido... Num momento estávamos saindo do carro, no outro senti uma pancada forte contra a minha cabeça, um gosto amargo na boca e mais nada... Onde eu estava?***
“E o Jack, Scott?”“O que tem ele?” Sua voz ficou ríspida.
“O que aconteceu entre você dois? Vocês são irmãos, né, mas...”
“Não somos irmãos e não quero falar sobre isso.”
“Não entendo. Aconteceu algo tão ruim assim?”
Ele bufou. “Mari, não quero falar sobre isso.”
“Tem muita coisa que não quero falar com você e que você insiste mesmo assim. Então, nada mais justo.”
Bufou novamente. “Eu fui um idiota, ok? Era isso que queria ouvir? Eu só fiz idiotice na minha vida. Só que... Não quero me desculpar com ele, com qualquer um, menos com ele.”
“Por que não?”
A dificuldade de falar sobre aquilo era mesmo algo significativo. Ele abria e fechava os lábios diversas vezes, procurando as palavras. Sua expressão era confusa, não sabia dizer se era raiva ou tristeza, talvez fossem os dois.
Eu poderia acalmá-lo, dizendo para deixar para lá, mudando de assunto. Mas se eu o fizesse, não estaria realmente ajudando.
“Não seria o bastante. É a única coisa pela qual não posso me perdoar. Quer dizer... Ele não tinha ninguém e eu fiz de tudo pra complicar mais as coisas. Eu podia ter feito alguma coisa, sabe? Eu podia...” Suspirou. “A forma como ele age nunca fez sentido pra mim e isso me irritava. Me irritava também que nada do que eu fizesse o atingisse de verdade. Não me orgulho de nada disso. Não sei o que se passava na minha mente também, mas eu queria muito irritar o Jack... Irritar todo mundo. Era uma raiva tão grande dentro de mim. A mãe dele tinha se tornado a minha... eu não queria dividir isso. Sei lá. Uns pensamentos tortos.” Deu uma pequena pausa. “Como pedir desculpas por isso? Não posso...”
***
Minha vista começava a encontrar algum sentido das coisas ao meu redor. As madeiras mofadas e pregadas umas sobre as outras de mau jeito formavam um lugar muito ruim para se estar. Minha cabeça pesava uma tonelada e não conseguia direcioná-la direito. Meus braços pareciam estar amarrados, não sabia dizer ao certo, porque a dor era intensa.Senti um gelo profundo atingir meus pulsos e gemi.
“Shi. É a nossa chance de escapar agora. Tenta não fazer barulho...” Scott sussurrava, mas não fazia sentido. Nada fazia.
***
“Por mim a gente cancelava esse jantar... assim você não precisava se preocupar com roupa...” Scott insinuou quando pedi a sua opinião sobre dois vestidos.“Para, Cott... É sério.”
Ele sorriu convidativo ignorando meu apelo.
“Vou com o preto então.” Fingi não ter desejado largar aqueles vestidos pra longe pra me jogar em seus braços.
“Te espero no carro.” Scott saiu frustrado.
Dizem que devemos viver como se não houvesse amanhã... e se eu apenas tivesse dado ouvidos a esse conselho...
***
“Vem, Mari...” Scott me apoiava em seus ombros. “Consegue ficar em pé, amor?”Vi Kate, Colli e Matheus.
“Então vamos...” Scott ameaçou me guiar com paciência, mas um som de motor de carro o deixou em pânico.
“O que está acontecendo?” Perguntei aflita.
Ele colocou suas mãos ao redor do meu rosto, seu olhar... “Vou tirar você daqui. Só preciso que corra, você consegue?”
“Acho que sim...” Já estava menos tonta ou talvez fosse apenas o medo.
Ele sorriu. “Te amo.” Me deu um beijo rápido e me levou apressado.
Uma porta se bateu. Perto demais.
***
“Qual é o seu maior medo?” Perguntei.“Não tenho nenhum.” Ele disse sem ao menos refletir.
“Nossa... Sério mesmo?”
“Medo é para os fracos!” E gargalhou.
Continuei séria, duvidando.
“Não tenho mesmo medo de nada... Tem jeito pra tudo. Você tem medo de quê?”
De perdê-lo, somente isso, desesperadamente isso... mas como dizer?
***
Matheus pegou a Colli do colo da Kate. “Sou mais rápido e assim você pode correr mais também.”Tudo acontecia rapidamente. Eles saíram por um lado correndo na rua escura. A porta atrás da gente se abriu. Scott me puxou com força me fazendo correr com ele também. Chovia muito. Era um silêncio sem fim. Era um barulho sem fim. Não importava. Eu tinha que correr sem parar.
Scott pareceu tropeçar quando voou um pouco mais na minha frente. Seu olhar não era de alguém destemido... Senti algo me atingir e despenquei com o Scott no chão.
Que frio. Scott encarava o vazio... seus olhos vazios... Deixei de sentir o frio, a chuva, a dor... Tudo escureceu.